LXVII. Ferro Branco

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Eralyn abriu os olhos assustado, temendo que as bruxas o tivessem deixado para trás.

O acampamento estava completamente silencioso e a luz do sol já começava a brilhar por detrás das montanhas. Sentado, ele encarou os arredores, vendo que a fogueira estava apagada e não havia ninguém à vista.

Ao que ele começou a escanear a vegetação em busca de traços das bruxas, o barulho de passos o fez virar para trás apenas para ver que Alick se aproximava. A bruxa o cumprimentou com a cabeça, mas não lhe dirigiu a palavra. Estava irritada e desconfiada, ele percebeu. Talvez por conta da fuga de Gehr, ou devido ao desaparecimento da fada. Agora, onde estava a outra?

— Azar está fazendo aquela coisa de novo? — Perguntou, aceitando o pão que a outra lhe oferecera.

— Sim. Eu não me aproximaria se fosse você. — Ela apontou para o leste, para a grama alta onde a Fura-Coração provavelmente estava escondida. Eralyn assentiu.

— Não acha aquilo um tanto... — Começou a dizer.

— Macabro? — Alick completou sua frase. O elfo assentiu. — Sim, mas pode ajudar a acabar com os seus, então eu começo a me acostumar com a ideia.

Eralyn engoliu em seco, temeroso a respeito de qual seria a real capacidade daquele poder. As palavras e visões mostradas a ele pela Dama, aquela coisa negra que consumia o mundo, agora tinha certeza que era daquilo que ela falava. Azar era a bruxa marcada e o poder que ela aprendia cada dia mais a controlar era a tal arma. Aquilo acabaria com o mundo se a bruxa não fosse morta e o livro destruído.

"Isso acaba hoje", disse para si mesmo.

— Não acha que devemos nos mover? — Ele sugeriu, tentando tirar a atenção da bruxa dos equipamentos que estavam largados à direita dela. Se conseguisse matá-la, provavelmente chegaria à outra com a vantagem da surpresa. Se tivesse que enfrentar as duas... — Para onde quer que seja que estamos indo.

— Saberá se julgarmos que merece vir conosco. — Alick respondeu, levantando-se. — Não é porque lutou ao nosso lado que vamos confiar em ti.

Eralyn assentiu e observou enquanto a Ferro-Brasil se distanciava, na direção para onde dissera que Azar seguira. Sozinho, o elfo encarou os equipamentos. Se sua adaga estivesse ali, poderia esperar pela próxima oportunidade e ceifar aquelas duas malditas. Ele vasculhou rapidamente a sacola até encontrar a bela lâmina de ferro branco que roubara de Gehr.

Sorridente, ele enfiou a arma na cintura e a cobriu com a camisa, torcendo para que as bruxas não percebessem. De coração acelerado, Eralyn esperou que as duas retornassem, juntas, para que retomassem a viagem.

***

Os três esperaram por quase vinte minutos pela chegada da fada, por insistência de Alick, mas esta parecia não querer retornar. Eralyn agradeceu aos deuses por aquele fato. Ainda que a baixinha não parecesse capaz de voar, a magia daquelas criaturas fazia com que tremesse em pavor.

Eles caminharam lentamente, trocando poucas palavras, da mesma foram que tinham feito antes. O elfo, o aliado temerário, ia no meio, com Azar atrás e Alick à frente para que ambas pudessem lidar com ele caso fosse necessário. A todo momento, a Ferro-Brasil deixava algum tipo de marca no caminho, no chão ou na mata ao redor, para indicar a Lyssa para que direção tinham seguido.

— Ela sabe o caminho para a Floresta. — Azar argumentou na quinta vez que Alick desviou da rota para deixar alguma marca discreta. — É só seguir para oeste.

— E se algo tiver acontecido a ela? — A Ferro-Brasil parecia preocupada. — Há criaturas nessas planícies com as quais mal pudemos lidar estando unidas.

— Ela está por aí, em algum lugar. — A Fura-Coração parecia segura de si. — Não devia ter-nos abandonado.

Ela era melhor do que Eralyn inicialmente pensara, aquela batedora. Se sabia que a fada estava viva e, além disso, tinha noção da localização da mesma... muito experiente e habilidosa, de fato. Ele esperava que ela não fosse assim no combate corpo-a-corpo. Deixando aquele pensamento de lado, ele decidiu que era melhor acabar logo com tudo antes que a Lyssa as encontrasse.

Andaram por quase uma hora até que ele anunciasse que precisava se aliviar, pedindo que as duas seguissem sem ele por alguns minutos. Com a promessa de alcançá-las logo mais, Eralyn enfiou-se na mata e aguardou por alguns minutos, pacientemente. Como um leão à caça de sua presa.

O elfo respirou fundo, as imagens da visão fornecida pela Dama latejando em sua mente a cada passo. Era sua missão, seu destino, somente seu. Com passos apressados, como se estivesse ansioso para retornar ao grupo, temente aos arredores perigosos e à possibilidade de estar sendo cassado por elfos inimigos, Eralyn retornou ao grupo e postou-se atrás de Azar Fura-Coração. Ele levou uma das mãos à faca sem que ninguém percebesse, preparando-se para dar o bote.

Um som distante de passos à direita fez com que a atenção do trio se voltasse naquela direção. O coração do elfo parecia dar galopes em seu peito ao perceber que aquela era provavelmente a fada que retornava ao grupo. Sentindo o desespero crescer, ele correu a distância que restava entre si e a Fura-Coração, puxando a faca da cintura e segurando-a com firmeza.

Alick percebeu o movimento e se voltou à amiga, dando-lhe um grito de aviso ao mesmo tempo em que sacava a própria cimitarra e partia para cima de Eralyn.

Mas era tarde demais. A Ferro-Brasil estava longe demais e o elfo decidido demais.

Azar conseguiu desviar do primeiro golpe, sacando sua própria cimitarra e tentando golpeá-lo. Saltando para longe do alcance das duas, o desertor agiu rapidamente para chutar a parte chata da lâmina de sua vítima e cravar a adaga em seu peito.

Sabendo que Alick não estava muito atrás, Eralyn largou a adaga onde a enfiara e saltou para o lado, rolando e fugindo do alcance de uma bruxa tomada pela raiva.

Com gritos vazios, lançados ao ar por pulmões moribundos, Azar viu o sangue se espalhar por sua roupa e caiu de joelhos no exato momento em que a figura de Lyssa entrava no campo de visão do elfo, o rosto surpreso e incrédulo sendo tomado por uma raiva semelhante à que estampava o rosto de Alick.

Eralyn encarou as duas, sentindo um misto de satisfação pelo dever cumprido e preocupação. Ainda restava o livro e ele não tinha chances contra aquelas duas.

Antes que pudesse fazer qualquer coisa, no entanto, um clarão disparou em sua direção. No momento em que o corpo de Azar começava a se transformar em pedra, o calor de mil sóis explodiu contra a pele de Eralyn, derretendo carne, osso e vísceras.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora