LV. Fantasmas

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— O que foi isso? — O Midgeller bufou, batendo com os cascos no chão e olhando ao redor.

O som estranho vindo das montanhas ao redor fez com que a própria Dalária tremesse, tomada por uma apreensão repentina. O feérico, que mordiscava uma fruta numa pose confortável e relaxada, estava em pé em poucos segundos com uma espada em suas mãos.

A Rainha, sem se mover, escutou os sussurros que ecoavam pelas rochas frias e parcamente iluminadas pelas tochas e luzes mágicas que tornavam o acampamento um misto sinistro de chamas bruxuleantes e escuridão profunda causada pela noite sem luar. Nuvens encobriam as estrelas, não fosse a iluminação artificial, ela não conseguiria enxergar um palmo além de sua face.

Os sussurros eram estranhos, quase como que gritos que tentavam escapar por gargantas machucadas, como se estivessem gritando sem cessar por anos e só lhes restassem aqueles sons falhos e fracos. Dalária sorriu, vendo o medo no olhar do tão ameaçador Midgeller.

— Então é verdade que as montanhas são amaldiçoadas. — Quem falou foi outro dos touros, que carregava consigo uma grande maça cuja cabeça provavelmente seria capaz de destruir um escudo sem muito esforço. Os outros ao seu redor murmuraram em concordância. O feérico se manteve silencioso, atento.

Não fossem as cordas que lhe amarravam, tornando cada movimento difícil, Dalária estaria rindo frente ao medo que aqueles brutos estampavam em suas faces. Não tinham medo de atropelar uma tropa de elfos bem treinados, mas temiam lendas sobre maldições e superstições bobas? Um grunhido divertido escapou de seus lábios, atraindo atenção dos inimigos.

— Está rindo de quê, vadia? — Dok esbravejou, ainda balançando sua espada para os sussurros invisíveis. Limenn parecia pronto para intervir e impedi-lo de fazer alguma besteira. O touro bufou novamente, batendo os cascos como se estivesse se preparando para investir contra algo.

— Essas montanhas não são amaldiçoadas, touro. — Ela falou, finalmente. — Muito menos assombradas por fantasmas de anões, como contam algumas histórias.

A atenção de todos — o feérico e cinco Middgellers — agora estava sobre ela. Com os lábios apertados, ela sorriu levemente. Após alguns segundos de pausa, continuou:

— Não, o que existe aqui é muito mais antigo e misterioso. — Outra pausa. Os touros bufavam como loucos, preparando-se para combater a ameaça invisível. — Inofensivo, no entanto.

Não era mentira. Muitas vezes ela viajara até aquelas montanhas com comitivas reais e grupos de caça, sempre interessada em descobrir um pouco mais sobre as criaturas que ali viviam. Por milênios, eles foram os inquilinos indesejados daquela região do reino, mas nunca fizeram mal algum para elfos ou qualquer outra criatura que por ali andara.

— Sabe o que são? — Limenn perguntou, aproximando-se da Rainha.

— Ninguém sabe exatamente. Os anões não sabiam, as bruxas tampouco. Quando chegamos aqui, essas coisas já estavam aqui. — Tudo que Dalária dizia era verdade, mas ela duvidava que seus sequestradores acreditariam. — Alguns acreditam que são uma espécie de Primordial, os acadêmicos consideram que são seres etéreos, sem corpo físico, que se alimentam da própria magia e não interagem com nosso mundo. — O olhar que o feérico lhe dirigia era de curiosidade, não suspeita. — Ninguém sabe com certeza, no entanto.

— E por que deveríamos acreditar na vadia? — Outro dos Middgellers falou, apontando uma espada em sua direção. A Rainha revirou os olhos, irritada, sentindo sua magia agitar-se. Infelizmente, aquilo não seria de grande ajuda. Não sem saber a extensão das habilidades de Limenn.

— Qual motivo tenho para mentir? — Ela perguntou, esforçando-se para ficar em pé. — Se essas coisas fossem perigosas, minha melhor chance seria que vocês os derrotassem. Ter vocês mortos com minhas mãos ainda amarradas às costas não é algo que eu deseje. Ainda.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora