Capítulo 4

1.5K 98 16
                                    



Márcio


Quando ouvi Alexandre, um dos sócios de meu pai, se referindo a Pérola como quem se refere a uma refeição, senti o nojo fechar minha garganta. Não estava sendo fácil conviver com ela e não ter, a cada segundo do dia, a vontade de cometer uma loucura. Minhas noites estavam sendo alternadas entre tentar tira-la da minha mente e os banhos frios para aplacar essa consumição que sua imagem despertava em mim.

Eu estava me sentindo encurralado por uma menina que tinha a boca mais linda e atrevida que já vi. Procurei aplacar essa vontade toda com sexo e falhei miseravelmente. Senti asco ao ser tocado por outra mulher. Sexo para mim sempre foi uma necessidade do corpo, mas isso parecia não funcionar mais.

Andava me sentindo sufocado e nem mesmo o trabalho, que antes era o meu único prazer, estava fazendo sentido. Eu sou quebrado demais para pensar em tocar nela. Como disse meu pai, tudo que toco murcha. Perde a vida. Foi assim com a mãe de Clara. Durante os meses em que ficamos em contato devido a gravidez, eu vi uma flor perder a cada dia seu viço, suas pétalas. O brilho do olhar de Ana foi se apagando a medida que meu ódio crescia. Não poupei quem carregava um ser no ventre, como pouparia aquela menina do que eu sou?

Quando vi seu desespero sendo levado embora além dos portões da minha casa, um misto de alívio e arrependimento se conflitaram dentro de mim, mas eu sabia que era a decisão certa a tomar. Não quis apenas assusta-la quando disse que a machucaria. Era a verdade e ela saberia disso no momento em que eu ousasse querer tê-la. 

Clara voltou à sua rotina de choro e naquela noite eu me vi novamente sentado em uma cadeira a espera do dia que nasceria a qualquer momento. Independente da minha vontade a vida seguia seu rumo.

(...)

Esperei a hora que Pérola sempre chegava e respirei resignado ao constatar que ela tinha feito a escolha certa ao decidir não mais voltar. Liguei para a minha mãe já sabendo qual seria a sua reação diante do que lhe contaria e não deu outra, dona Valéria despejou toda a sua indignação e fez com que eu me sentisse um lixo. Mesmo sob protestos, aceitou ficar com a neta até que a agência enviasse uma nova babá.

Márcio: Vou tentar chegar mais cedo. - falei descendo as escadas. Minha mãe tentava acalentar Clara que fazia birra. 

Valéria: Devia tentar agir como um pai que coloca o bem estar da filha acima de tudo. - ela não estava nada satisfeita e não fazia questão de esconder isso de mim. - Clarinha vai sofrer com a ausência da Pérola.

Márcio: Ela ainda é um bebê! - me irritei só de ouvir seu nome - Tenha paciência! Não dramatize a situação. Não tem como ela já ter ficado apegada. Foram só cinco dias.

Valéria: Quantos dias são necessários para se gostar de alguém? - já vi que o drama seria digno de um folhetim. - Perdão! - sorriu com escárnio - Esqueci que o Senhor Dono do Mundo não sabe nada sobre sentimentos. Não consegue nem olhar para a própria filha sem culpa-la da vida terrível que tem.

Márcio: Eu não admito... - fiquei possesso

Valéria: O que você não admite? - veio para cima de mim mesmo com Clara aos berros em seus braços - Não admite que estejam certos e você errado? Ou não admite que te digam que o mundo é muito grande para caber na sua mão?

Márcio: Não vou ficar discutindo com você por causa de uma simples babá. - quis encerrar o assunto indo em direção a porta de saída.

Valéria: Uma simples babá que tem sentimentos mais nobres que o todo poderoso engenheiro Márcio Porto. - veio atrás de mim. - Uma simples babá que estava cuidando da sua filha e dando o amor que você como pai se nega. Olha pra mim, Márcio! - gritou e pela primeira vez em toda a minha vida eu senti que não tinha seu apoio. - Olha agora! - me virei e pude ver uma decepção estampada em seu semblante. - Essa criança é sua filha! Não importa se você ficou feliz ou não com sua chegada. Ela está aqui e precisa de você. Entende isso antes que seja tarde demais. Abre esse teu coração para essa pequena antes que não te reste mais ninguém. - vi as lágrimas rolarem em seu rosto. - Não queira acordar um dia e ver que não tem ninguém que se importe com você. Seja para ela o que eu fui para você. Ame sua filha e acima de tudo se ame.

Aprendendo a AmarOnde histórias criam vida. Descubra agora