Pérola
Já imaginava que Márcio tentaria algo, mas ele agiu cedo demais e acabou me pegando desprevenida. Sentir suas mãos em mim me causaram muitas sensações, mas nenhuma delas é boa. Por segundos eu revivi a cena daquela manhã na minha cabeça. Foram somente segundos, mas o suficiente para que uma força surgisse dentro de mim e eu conseguisse reagir. Quando dei por mim seu corpo já estava separado do meu. Como que por impulso cuspo em seu rosto. Márcio não tem reação ou resposta, permanece inerte enquanto minha saliva escorre em seu rosto, traçando uma estrada úmida que vai do olho esquerdo ao queixo retesado.
Pérola: Nunca mais chega perto de mim. Você não tem esse direito! - minha voz não saiu alta, mas era gélida o bastante para que ele me olhasse temeroso. - Se essa for a sua intenção com o convite, esquece!
Márcio: Desculpa! Eu não sei onde estava com a cabeça. Eu só...
Pérola: Chega! Sua cabeça está em você e em suas vontades, mas saiba que eu estou fora de seu alcance. Nunca mais tocará em mim. Se tentar garanto que farei pior do que agora.
Márcio: Eu dou a minha palavra que não forçarei nada. - ele estava nervoso, mas notei que a mão que tinha passado no rosto o limpando estava fechada como se segurasse algo precioso.
Pérola: Sua palavra não vale nada pra mim. Você já me mostrou que suas vontades estão acima de sua honra. Agora quero que escute bem, NÃO HAVERÁ UMA PRÓXIMA VEZ! - falei o mais explicado que pude quando o médico entrou no quarto. Tratei de me controlar, pois queria escutar com atenção o que falaria sobre a evolução do quadro de Enzo. Marcio por sua vez pareceu desconfortável e notei que me olhava. Só esboçou reação quando fomos informados que Enzo receberia alta a tarde. Com a desculpa de que iria ligar para a minha mãe, saí deixando ele com Enzo. Dou alguns passos e então percebo que na ânsia de sair de lá, havia esquecido o celular. Voltei e acabei escutando o que o médico dizia.
Médico: Não sei o que você fez para essa moça, no entendo, pela sua estado dela acredito que esteja errado ou tenha feito algo muito grave, mas vejo amor. Se há amor lute, pode durar um dia, um mês ou uma década, lute. - tive vontade de escancarar a porta e dizer que não tinha o porquê para ele lutar, mas me contive apenas fazendo com que percebessem que eu estava voltando.
Pérola: Esqueci o celular. - não olhei para nenhum dos dois e antes que eu saísse novamente, Márcio pediu que eu não demorasse, pois precisava acertar as despesas médicas da internação de Enzo. Era só o que faltava pro hospício pegar fogo: um maluco dando corda pra um psicopata excêntrico.
(...)
Assim que Márcio estacionou o carro uma onda nostálgica me atingiu. O dia em que vim aqui pela primeira vez apareceu fresco em minha mente. Eu ainda tinha meus sonhos protegidos pela mera ilusão de que não havia tanta crueldade que se escondia em um belo rosto. Por mais que minha primeira impressão dele não tenha sido tão boa, jamais imaginaria que ele pudesse me ferir tão absurdamente.
Valéria: Estava nervosa com a demora de vocês. - abriu a porta já nos recebendo com um sorriso. - Roberta também está que não se aguenta querendo conhecer Enzo.
Márcio: Tive que passar na farmácia. - se justificou e veio para perto de mim. Vi que sua intenção era me ajudar com Enzo, mas o repelei de imediato.
Pérola: Enzo parece que tomou sonífero. - falei mostrando meu filho dormindo tranquilo no bebê conforto. - Ameaçou a acordar quando pararmos na farmácia, mas foi só uma ameaça mesmo.
Márcio: E Clara? - só a menção de seu nome agitou meu coração. Ela tinha sido a pessoa que mais tinha sentido falta durante esse tempo. Não via a hora de tê-la em meus braços novamente.
Valéria: dando uma canseira na babá. Depois que começou a andar não para quieta.
Márcio: Vamos? - aquela simples palavra me fez pensar se tinha realmente feito a coisa certa. Isso não tinha como dar certo. Não respondi e Márcio pegou o bebê conforto de minha mãos. Peguei a bolsa de Enzo e o segui.
Tudo estava do mesmo jeito que antes. Até o cheiro que vinha do jardim era o mesmo. Era como se o tempo tivesse ficado parado aqui. Exceto que não éramos mais os mesmos. Nunca seríamos como antes.
Márcio: Vou pegar o resto das coisas. - falou colocando o bebê conforto com Enzo em cima do sofá. - Quando voltar mostrarei o quarto de vocês.
Pérola: A Valéria pode fazer isso. - falei firme. - Você se incomodaria, Valéria?
Valéria: Claro que não, Pérola. Também ainda não vi o quartinho do meu neto. Márcio fez segredo querendo que você fosse a primeira a estar lá. - não o olhei, mas sabia que seus olhos estavam em mim.
Márcio: Como você quiser. - saiu nos deixando a sós. Já ia perguntar por Roberta quando a vi. Sem rodeios fui ao seu encontro e abracei a minha amiga. Uma amiga que me fez muita falta durante esses meses.
Pérola: Como eu senti sua falta... - me segurei para não chorar.
Roberta: Sua ingrata! Me deixou aqui sozinha. - seu tom era magoado, mas eu sabia que não guardava mágoa de mim.
Pérola: Desculpa, amiga. - olhei para ela e enxuguei suas lágrimas. - Não teve um dia que não sentisse falta de você e de suas loucuras.
Valéria: Agora ela está aqui para ficar. - nos interrompeu e vi que também estava emocionada.
Pérola: Não ficar para sempre. É só me estabelecer que vou procurar um lugarzinho para mim e meu filhote.
Valéria: Deixemos para falar nisso quando a hora chegar. E se chegar. - ia insistir , mas ouvi uma voz infantil e meu coração bateu descompassado. Clara vinha dando passos rápidos e desengonçados e a babá segurava a sua mãozinha para que ela tivesse mais firmeza. Se pensar e movida pela saudade eu fui ao seu encontro quase correndo. me baixei para ficar mais ou menos da sua altura. Senti um nó se formando em minha garganta. Difícil falar algo diante daquela bonequinha que estava mais linda ainda.
Pérola: Oi, meu anjinho... - tentei pegá-la nos braços, mas ela pareceu não querer se virando e abraçando as pernas da babá. Aquilo doeu na alma. Ela não me reconheceu. Eu sabia que isso era possível, mas no fundo eu tinha a esperança que nunca tivesse saído de sua memória.
Valéria: Foi mais de um ano, Pérola. - tentou me consolar - Ela logo vai grudar em você e vai ser difícil te largar.
Pérola: Eu sei que faz um tempo.Tempo demais para as lembranças de um bebê, mas...
Valéria: vamos para ver o quarto de Enzo. Quem sabe lá ela não fica mais receptiva?
Pérola: Quem sabe...
A reação de Clara só me fez sentir mais raiva de Márcio. Ele quebrou o elo que tínhamos. Me cortou de sua vida como uma erva daninha e acabou me tirando da vida da Clara também. Nunca imaginei que pudesse mais mais raiva dele ainda depois de tudo.
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Aprendendo a Amar
FanfictionAmar vai muito além de pele, de corpo, de toque. Amar é alma, espírito. Nem todo mundo conhece esse tipo de amor... Amor que o tempo não apaga... O vento não leva... Ninguém separa.