Capítulo 24

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Márcio



Estava trabalhando em um projeto muito importante para o escritório naquela madrugada. A insônia que pensei ter me deixado de vez, depois que tudo aconteceu voltou com mais força. Momentos de sono eram raros e eu sempre aproveitar para trabalhar. Ultimamente era só o que me dava prazer, além dos momentos que desfrutava ao lado de Clara. Naquela noite decidi não beber. Isso vinha se tornando um hábito para esquecer daquela mulher maldita, mas como esquecer o seu próprio coração? Ele bate dentro de mim constantemente, me lembrando da sua existência e da necessidade que tenho dele... dela. Ela é a outra metade do meu coração que bate fora do peito e sempre baterá, mesmo longe, mesmo tendo me magoado tão profundamente, tão intensamente e da forma mais cruel.

Meses atrás recebi uma ligação dela e constatei que ela podia fazer coisas ainda piores do que eu imaginava. Tentou me comover com a notícia de que o bastardo havia nascido. Aquilo me quebrou por inteiro. Senti raiva dela e de mim ao mesmo tempo. Por um segundo eu desejei que ela estivesse me contando a verdade, mas logo me veio a imagem daquelas fotos e recobrei a razão.

Minha mãe tinha se afastado de mim. Ela não conseguia entender que o errado na história não era eu. Preferiu me condenar por não ser cego. Sei que ela ainda mantinha contato com Pérola e suspeitava que estivesse lhe ajudando financeiramente. Fato que não podia interferir. O dinheiro era dela e não meu. E pensando em minha mãe vi o visor de meu celular se acender mostrando seu nome. Atendi preocupado que tivesse acontecido algo .

Márcio: Mãe ? - senti minha garganta fechar em antecipação.

Valéria: Preciso que doe sangue para o filho de uma amiga muito querida, Márcio. - falou sem respirar - A criança está necessitando dessa doação urgente. - eu sabia da raridade do meu tipo sanguíneo, mas sabia também que por ser uma mutação hereditária, tinha de haver alguém da família para doar.

Márcio: Que criança é essa? - perguntei desconfiado

Valéria: Importa, Márcio? - estava nervosa - Vai querer o RG dos pais dele também?

Márcio: Fiz uma pergunta simples. - me defendi

Valéria: Mais simples que essa pergunta pode ser a sua resposta, mas lembre-se que pode ser sua chance de fazer algo bom.

Márcio: Os pais não podem doar?

Valéria: A mãe não é compatível e o pai... - notei que respirou fundo antes de continuar. - Bem, o pai é um covarde que abandonou os dois a própria sorte. Vai ou não doar?

Márcio: E o papai? Ele também tem o sangue Rh nulo.

Valéria: Seu pai não doa nem palavras gentis, imagina sangue.

Márcio: Tudo bem. - eu sabia que para estar recorrendo a minha a situação devia ser séria. - Em que hospital essa criança está?

Valéria: Anota aí. - começou a me passar as informações. - Vou estar esperando por você lá.

Márcio: Estou indo. 


(...)


Quando cheguei ao hospital minha mãe já estava a minha espera. Ela então entrou comigo em uma sala e conversou com a enfermeira que logo veio me atender. Em meio a toda pressa ainda não tinha perguntado o nome da criança e depois que doei acabei esquecendo. Foi um processo rápido, já que não precisei passar pelos exames de rotina de um doador. Como costumo sempre viajar para fora do país, meus exames são feitos regularmente e não havia esquecido de levar os últimos que realizei a menos de um mês.

Valéria: Obrigada, filho. - me abraçou depois de muito tempo que nem me olhava direito. 

Márcio: Não foi nada. 

Valéria: Um dia você vai agradecer por ter tido a oportunidade desse ato. Lembro que quando recebi a notícia que você tinha o mesmo tipo de sangue do seu pai, me desesperei. Já havia lido sobre o assunto. Tinha que saber do que se tratava tendo em vista que não seria impossível acontecer com você. Naquele tempo a medicina não era tão avançada como hoje e chorei noites a fio por isso. Tive medo que isso fosse uma maldição. Até que conversei com um especialista e me certifiquei que você ficaria bem. Corria o risco de anemias leves, mas nada que lhe pusesse em risco. A cada vez que você caía doente o medo se apoderava de mim. Cheguei até a pensar que isso fosse resultado de uma maldição, mas olha aqui onde estamos hoje?

Márcio: Estamos em um hospital e eu acabei de encher aqueles saquinhos com meu sangue. - falei não dando importância ao seu relato. - Agora vou pra casa com sangue a menos nas veias sem nem saber para quem doei.

Valéria: Pense que para sua redenção esse foi um passo muito importante.

Márcio: Falando assim fico mais curioso para saber de quem se trata. Por um acaso é alguém que conheço, ou melhor, que deveria conhecer?

Valéria: Espere um pouco e você mesmo  responderá. - saiu me deixando desconfiado. Ainda fiquei um tempo tentando enxergar naqueles rostos alguém conhecido, mas nada e nem ninguém despertava minhas lembranças. Já estava quase amanhecendo e decidi voltar pra casa. Havia deixado Clara somente com a nova babá e ainda não confiava nela plenamente para ficar despreocupado com minha filha.

Cheguei em casa e não consegui dormi. Vi os primeiros raios de sol aparecerem do céu da varanda de meu quarto. Uma sensação de inquietude me consumia. Tomei banho e decidi que iria voltar ao hospital. Precisava saber quem era tão importante para que minha mãe tivesse aqueles olhos vermelhos denunciando seus choro.

Quando cheguei ao hospital pedi informações sobre a chegada de um paciente a ala infantil que tinha chegado na madrugada. A moça da recepção me olhou de maneira estranha e eu não a culpei. Quem em seu juízo normal aparece cedo da manhã querendo saber notícias de um paciente sem nem saber o nome dele? Fui encaminhado para o serviço social. Fui informado que uma assistente social  poderia me ajudar.

Márcio: Bom dia! - falei cumprimentado ao entrar na sala.

Assistente social: Bom dia! - falou simpática - Eu me chamo Débora, em que posso ajudá-lo? - expliquei a situação. Falei que havia doado sangue na madrugada para o filho de uma conhecida da minha mãe e que agora queria saber como estava o estado de saúde da criança. Ela prontamente acessou os dados em seu computador e constatou que eu falava a verdade. Pelo menos não corria o risco de ser internado com um louco psicopata do sangue.

Márcio: Só preciso saber notícias da criança. Não preciso nem vê-la.

Débora: É norma do hospital não passar informações sobre pacientes para pessoas que não sejam da família. Confirmei que realmente foi o doador de Enzo Mantovani. - naquele momento parei de respirar.  Foi como um tiro recebido no peito.Um segundo, esse foi o tempo necessário para a compreensão tomar conta de mim. Dor, ódio, rancor e mágoa, tudo vindo à tona, enchendo a minha alma em um sopro. Sentimentos imediatamente transformados em... Penitência e... culpa. Um nome  que acabava de mudar a minha vida e fazer-me enxergar o tamanho do grave erro cometido por mim e só por mim.

Márcio: O que você disse? Por favor, não brinca com isso. Eu não suporto mais, por favor... Estou no limite. - minha voz, onde estava? Falar e respirar tornaram-se atividades complexas. A mulher me olhava espantada.

Débora: O paciente se chama Enzo Mantovani. - não tinham sido meus ouvidos me enganando.  Meus membros inferiores irradiavam, começavam a perder as forças, não sabia mais como prosseguir e então desabei.O que era isso?... Estava com  taquicardia, meus lábios estavam dormentes, o ar não chegava aonde precisava. Obriguei-me a respirar, precisava voltar. Minha vida, meu filho...

Aprendendo a AmarOnde histórias criam vida. Descubra agora