Capítulo 5

1.4K 93 22
                                    



Márcio


O silêncio naquela casa me assustou por alguns minutos, mas logo a ira me consumiu. Não admitia que falassem comigo daquele jeito. Nem a minha mãe tinha o direito de me dizer como agir diante de qualquer situação. Logo me vi subindo as escadas para dar continuidade ao nosso embate. 

Estanquei na porta do quarto de Clara. Minha mente foi invadida por lembranças que eu nem sabia que tinha. De repente me vi com uns cinco anos. Meu joelho ralado era o motivo do choro que minha mãe tentava cessar com seu carinho. Vozes se misturavam no ambiente da casa que vivi boa parte da minha vida. Era mais um dos jantares que meu pai exibia sua família impecavelmente perfeita e um joelho ralado quase acabou com o seu teatro. Eu sabia, mesmo ainda sendo um menino, que se não me comportasse meu pai não gostaria mais de mim e isso doía mais do que aquele machucado.

Valéria:   Não sei se tu tens um anjo. Que eu tenho um anjo sim. Meu anjo é um pequenino que agora vai dormir - aquela canção que agora embala o sono de Clara avivava a minhas lembranças. Acabou me remetendo para aquela noite em que descobri dores maiores e piores do que as que meus tombos causavam. - Dorme meu anjo lindo . Meu menino serafim. Que o sono vem vindo. Pra levar você de mim, porque está na hora de dormir. Dorme meu pequenino. Dorme meu querubim  

A canção que muitas vezes levava meus medos embora, agora causava uma sensação ruim em mim. Mostrava que eu não fazia mais o papel do filho assustado e sim a do pai ausente e intolerante que um dia eu temi.

Desci cada degrau levando em minhas costas um peso quase que insuportável. Eu havia me tornado o meu próprio bicho papão. Alguém que quando criança eu jurei nunca ser. Quando rompi a barreira da porta e senti o vento tocar meu rosto foi difícil respirar. Sem saber para onde deveria ir, apenas entrei no carro e fui. Sem rumo. Sem direção. Somente uma buzina me despertou do transe em que me encontrava. parei o carro no acostamento  e quando a ânsia me invadiu, me senti assustado e perdido como anos atrás. Uma única coisa veio a minha cabeça. Peguei o celular no bolso do meu paletó e logo ouvi a voz da recepcionista da empresa. Uma voz polida e que saudava quase que roboticamente quem quer que fosse do outro lado da linha.

Recepcionista: Porto Engenharia, bom dia!

Márcio: Passa para a Patrícia agora! - nem precisei me identificar e logo ouvi a voz de Patrícia. - Patrícia quero o endereço da babá de Clara. - ordenei ouvindo minha secretária gaguejar um       " Pois não, Sr. Márcio." Segundos depois eu memorizava o nome da rua e colocava o carro em movimento naquele destino que agora era o mais incerto possível.

Não sei precisar quanto tempo se passou até que avistei aqueles cabelos negros que contrastavam com o amarelo da fachada. Quando me dei conta as palavras saiam de minha boca como uma súplica.

Márcio: Me desculpa, por favor! - ela me olhou e tive a sensação de ter três cabeças sendo sustentadas por meu pescoço. Sua primeira reação foi de espanto, mas logo suas feições deram lugar a uma carranca zangada.

Pérola: Você é louco ou apenas gosta de atazanar as pessoas por diversão? - eu sabia que não seria fácil. Ainda mais se tratando de alguém tão atrevida como ela e era isso que me atraía mais.

Márcio: Talvez daqui a alguns minutos eu constate que realmente sou louco, mas agora eu só peço que me escute. Não por mim, mas por Clara. - ao ouvir o nome da minha filha vi de certa forma a carranca aliviar um pouco. - Eu sei que agi muito mal com você ontem. Peço sinceramente que aceite o meu pedido de desculpa e que zere tudo. Peço que venha comigo. Clara está sentindo a sua falta e o que menos importa é como me sinto nessa situação. Posso me esforçar para tolerar a sua presença em minha casa e ...

Aprendendo a AmarOnde histórias criam vida. Descubra agora