Capítulo 23

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Pérola



Dia após dia o meu sorriso morreu e à medida que minha barriga estava crescendo dava-me conta que era real, não tinha sido só um sonho ruim ou uma pegadinha de mau gosto, era muito real. Quando ficava sozinha as lembranças tomavam conta e a dor era fulminante. Todas as palavras nocivas que ouvi de Márcio vinham à tona, quando tudo que eu esperava era amor e felicidade.

Três meses depois da visita de Valéria, senti a pior dor da minha vida. Em um incêndio, que foi constatado como criminoso, perdi meu herói. Até em seus últimos minutos de vida, meu pai se doou. Não temeu por sua vida quando entrou em nossa loja naquela madrugada determinado a salvar alguns animais que lá estavam. Ele nos deixou um vazio enorme. Minha mãe lutava para continuar vivendo, mas pouco a pouco eu via sua vida definhar. 

Com a perda total da loja e sem seguro que cobrisse o estrago, me vi obrigada a abandonar a faculdade. Tinha que pensar em meu filho. Logo ele estaria aqui e eu precisava garantir que não lhe faltasse nada. Com a ajuda de um amigo consegui um emprego em uma pizzaria. O dinheiro não era muito, mas pelo menos o essencial não nos faltaria. Quase não acreditei quando disse que estava grávida e mesmo assim o Sr. Rodolfo me contratou. Eu trabalhava durante toda a madrugada lavando pratos e cuidando da limpeza do local. Era um trabalho puxado, mas eu agradecia a oportunidade todas as vezes que deitava a cabeça no travesseiro para dormir.

E foi em uma tarde de domingo que Enzo veio ao mundo. Não pôde nascer de parto normal, era muito grande em meu corpo castigado pelo cansaço. Ele nasceu saudável e a primeira vez que o tive em meus braços foi como se tudo tivesse ficado para trás. As noites em claro trabalhando, a mágoa que sentia de Márcio, nada importava.É a cara de Márcio.  Parece até um castigo, o homem que quero tirar de minha mente, esquecer de minha vida vai conviver comigo agora definitivamente em seu filho. Tudo em Enzo grita Márcio Porto.

Valéria estava presente. Ela me fez prometer que não a impediria de estar ao meu lado quando o neto nascesse. Não tive como negar. Aquele pequeno ser me deu forças para lutar por ele. Não deixar que a dor se apoderasse de mim e por ele eu seria capaz de tudo. Então resolvi dar a última chance a Márcio. Pelo meu filho eu tinha que fazer isso e fiz. Só precisava dizer a ele que o nosso filho tinha nascido e desligar, simples e rasteiro. 

Márcio:  Alô! -  Os segundos pararam no tempo. Não sabia mais como reagir a isto. Sua voz firme e pesada. Nem ao menos sabia a falta que escutar essa voz fazia em mim, a saudade de ouvir o timbre único e incomparável. - Alô?

Pérola: Sou eu... - no mesmo instante que reconheceu minha voz, ouvi algo cair ou quebrar e ele não disse nada, ficamos os dois em silêncio com o som descompassado de nossa respiração ao fundo. Precisava retomar a consciência e concluir o que pretendia fazer antes de escutar o som que tanto ansiei. 

Márcio:  Acho que você ligou para a pessoa errada.

Pérola:  Nosso filho é um menino. Ele... ele já... - fui interrompida pela frieza cortante dele, a mesma que conheci no dia da nossa briga. 

Márcio:  Desculpe-me, senhora, só tenho uma filha e ela está dormindo agora em seu quarto. Acredito que tenha ligado para o homem errado. 

 Pérola: Essa é a sua última chance... Quando eu desligar estarei esquecendo totalmente que um dia tocou em mim. Meu filho não terá pai e você perderá qualquer direito sobre ele, não quero nem os deveres. É isso mesmo que deseja? Está abdicando do sangue do seu sangue?ligação encerrada

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