Capítulo 38

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Márcio


Ao ver minha mãe toda apreensiva sobre o teor da conversa, só me deu mais raiva daquele homem. Ela não imaginou nem por um momento que o que iria escutar seria pior que tudo o que já tinha passado ao seu lado. Não deve ser fácil se manter de pé depois de ver a pessoa a quem dedicou uma vida, relatar com detalhes a mais cruel das traições. Meu pai não deixou nenhum fato subentendido. Ele contou tudo até o dia em que trouxe Clara em meus braços para casa.

Rafael; Não vai dizer nada? - minha mãe permaneceu apenas o encarando. Nenhuma reação, choro ou uma lágrima solitária demonstrava o que estava se passando por sua cabeça.

Valéria: O que quer ouvir? - sua voz por mais sofrida que fosse não deixou de mostrar controle. - Eu sinceramente não posso dizer que não esperava que algo assim acontecesse. Só não imaginei que usaria seu próprio filho para esconder sua falta de caráter. Já passou por sua cabeça o que essa menina sofrerá quando souber a verdade?

Rafael: Ela não precisa saber. 

Valéria: COMO NÃO? - levantou e vi fúria em seu olhar que sempre só me passou doçura. - É a vida dela. A verdade de como tudo aconteceu. Ela terá o direito de saber isso um dia.

Rafael: Márcio é o pai dele.

Valéria: Disso eu não tenho dúvidas. - olhou para mim e sua feição se suavizou - Afinal como dizia minha mãe: pai é quem cria e dá amor.

Rafael: Vou respeitar e acatar a decisão que ele tomar em relação a isso, Valéria. Só peço que não me afastem dele. 

Valéria: Agora estou lembrando das vezes que você criticou nosso filho. - riu sem vontade - De como ele estava sendo imaturo e egoísta por não aceitar a gravidez daquela mulher. Você não estava falando dele e sim de você.

Rafael: Você não sabe como me arrependo... Peço somente mais essa chance. Já passamos por tantas coisas juntos... Tenho certeza que iremos superar mais essa. Eu fiz o que achei melhor para a criança.

Valéria:  Nisso também concordo com você, Clara tem um pai maravilhoso. Quanto a nós...não tem o que ser superado. Acabou, Rafael. Acho que já prolongamos esse fracasso que foi nosso casamento tempo demais. Quero que saia da minha casa ainda hoje. 

Rafael: Valéria, vamos conversar a sós? Eu durmo hoje em um hotel e amanhã mais calmos conversamos.

Valéria: Você continuará na empresa. - continuou como se não tivesse ouvido o pedido dele. - Afinal nos negócios não me traiu. Nesse quesito não tenho o que dizer nem o que desconfiar, mas nosso casamento acaba aqui. Sem brigas ou acusações. Quanto a Clara... ela é minha neta amada. A criança que encheu minha escuridão de luz. Para mim sempre será a filha de Márcio, irmã de Enzo e minha neta.

Nunca senti tanto orgulho de minha mãe como naquele momento. Vim todo o caminho pensando em sua reação e pedindo forças para levantá-la. Pensei que desmoronaria, mas diante de mim estava uma mulher forte e decidida. Uma mulher que eu sentia muito orgulho em chamar de mãe.

Márcio: Mais uma coisa. - falei antes que chegassem à porta. - Vamos fazer um DNA.

Rafael: Entendo seu pedido e não me recusarei a fazer, mas ...

Márcio: Eu quero!

Rafael: Pode providenciar. - saiu deixando meu coração machucado. O resultado daquele exame não mudaria o meu amor por Clara, mas enterraria de vez o sentimento que sentia pelo meu pai.


Pérola


Estava aflita em nosso quarto enquanto Márcio e seus pais conversavam lá embaixo. A angústia e tristeza em sua voz me deixaram com uma sensação horrível. Sentia como se meu coração estivesse sendo esmagado e quando o olhei assim que abriu a porta tive a certeza que o que quer que fosse tinha feito um estrago muito grande.

Pérola: Vem aqui. - chamei vendo o homem que amo começar a chorar feito um menino amedrontado e ferido. Quando deitou na cama e deixou a cabeça descansar em meu colo, vi seu corpo se encolher e tremer junto aos soluços que invadiam o quarto. - O que está acontecendo? O que te deixou assim?

Márcio: Só me deixa ficar aqui. - pediu numa súplica

Pérola: Márcio, por favor...

Márcio: Depois. - me interrompeu e senti que estava precisando de meu silêncio e apoio embora não tivesse a mínima ideia do porquê daquele choro.

Pérola: Tudo bem. - disse por fim acariciando seus cabelos. - Só quero que saiba que estou e sempre estarei aqui.


Depois de um tempo seu choro cessou, mas permaneceu imóvel por mais alguns segundo até que levantou a cabeça levemente e me encarou. A tristeza era nítida em seu rosto.


Márcio: Toma um banho comigo? - concordei com um aceno de cabeça e nos levantamos indo para o banheiro. Ali não fui sua mulher, nem sua amiga. Fui apenas a mãe que cuidava de seu filho machucado. Tirei nossas roupas e o guiei até o box. Deixei que a água banhasse seu corpo e se encarregasse de aliviar a dor que seu corpo emanava do coração. Passei a bucha com delicadeza em seus ombros tensos e Márcio deixou a cabeça descansar no azulejo frio. Mais uma vez o vi chorar como uma criança. A medida que a água levava embora a espuma , depositava beijos em suas costas. O abracei sentindo que a sua dor era a minha, mesmo que não soubesse a causa. O que tinha feito aquele estrago nele, certamente me atingiria da mesma forma. Márcio girou o corpo e ficamos de frente nos olhando. Me abraçou tão forte que quase sufoquei com seu aperto. - A Clara é filha do meu pai. - o sussurro de sua voz me inundou forte. Senti meu corpo enrijecer. - Ele me enganou todo esse tempo... Deixou que eu não soubesse mais viver sem ela... O que vou fazer agora? Como digo pro meu coração que a minha borboletinha não é minha filha?

Pérola: Márcio... - não sabia nem o que dizer.

Márcio: Como vai ser agora, Pérola? - não sabia como tudo tinha acontecido para que ele dissesse aquilo. Era uma loucura. Mais uma maldade de quem devia protegê-lo. Márcio era o pai dela e não havia ninguém que pudesse me fazer acreditar no contrário.

Pérola: Olha pra mim! - a vontade de chorar queria dominar minha voz, mas não deixaria. Não agora que ele estava perdido. Seria a força nesse momento. Deixaria para chorar no abrigo do meu travesseiro. Sozinha. - Agora e sempre será da mesma maneira que sempre foi. Ouviu? Não sei o que aquele homem te falou, mas o pai dela é você. O que tiver que enfrentar dessa porta pra fora, iremos enfrentar juntos. Seu pai, o mundo... quem for, não vai destruir o que está cravado aqui. - peguei em seu peito e senti o descompasso de seu coração. - Aqui dentro o que a Clara é sua?

Márcio: Filha. - já chorávamos juntos. - Ela é minha filha. A filha que amo sem medida.

Pérola: Ninguém sabe mais do que o seu coração. Márcio há coisas que o tempo traz e outras que ele mesmo se encarrega de levar, mas tem um coisa que nem o tempo é capaz de mudar. Um sentimento que se torna maior do que nós mesmo. O amor que sentimentos por nossos filhos, meu amor, isso nem o tempo, nem o medo, nem a mágoa, nem um papel poderá  mudar. A Clara é sua filha, porque não importam o que digam, o seu coração escolheu assim.

Permanecemos mais um tempo abraçados. Quando saímos o sequei e fiz o mesmo com meu corpo. Já vestidos ficamos deitados com nossos corpos juntos. Dormir não iríamos conseguir. O silêncio acabou acalantando nossa dor. Amanhã seria um novo dia e a única certeza que tinha era que nada mudaria com o nascer do sol. Seríamos sempre uma família e Clara é parte dela. Nunca deixaria de ser, porque em nossos corações ela era nossa filha. Nossa borboletinha.

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