T-théo?

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Eu não queria fazer aquilo, olho para os corpos que estão a minha frente e começo uma guerra interna com o meu lado místico e minha parte humana que está no modo racional, que funciona a todo vapor.  Deveria sentir arrependimento, sei que deveria e acredito que sinto por força do hábito. O arrependimento bate e se meu coração pudesse se partir com um sentimento, com certeza estaria partido agora. Sinto alguém se aproximando, mas não dou atenção, estou fixa em meus pensamentos perturbados.

- MERLIAAA? MERLIA É VOCÊ? MERLIA?. _ Eu reconheço essa voz,  reconheço muito bem. Porém isso é inacreditável, ele não pode estar aqui ... Não tem como ele estar aqui. Me viro e avisto a última pessoa que poderia ver neste momento.

- T-theo?_ Digo perplexa e com medo.

- Sim, sou eu! Eu senti tanto a sua falta, você não tem noção do quanto!_ Fala feliz enquanto seus olhos se enchem de lágrimas e nada em minha direção.

Não tenho reação, não sei o que fazer, estou receosa, estou com medo, com vergonha, olha o meu estado, o que ele vai pensar de mim? Olha no que eu me tornei? Tenho vontade de cantar, mas não posso e nem quero fazer isso com ele.  Me desabo em um choro sofrido, daqueles que você não consegue pronunciar nenhuma palavra, só consegue chorar e chorar, sem parar ao menos por um instante.

- Ei, está tudo bem _ Ele se aproxima, porém eu me afasto  - Está tudo bem? O que aconteceu? Merlia? Fala comigo!_ Ele está desesperado e meu coração se aperta contra o peito.

- Fui eu_ Movo minha cabeça em direção dos corpos. - EU VIREI UM MONSTRO, EU SOU UM MONSTRO QUANDO ESTOU FORA DO MAR! _ Mais choro. - EU NÃO SINTO NADA  QUANDO AS COISAS NÃO FAZEM PARTE DA ÁGUA, QUANDO NÃO FORAM CRIADOS PELO MEU PAI, NADA, EU ESTOU CANSADA DESSE VAZIO, EU QUERO SENTIR O QUE EU SENTIA QUANDO EU TE VIA! Eu , e-eu ..._ Grito desesperadamente e sentindo cada palavra me atingir como um soco no estômago. 

- Xiuu, calma, calma, não precisa falar nada, respira, respira, já passou, eu estou aqui _ Théo fala calmamente como se estivesse tranquilizando uma criança e sinto nojo de mim.

Meu choro cessa conforme as palavras de conforto e apoio de Théo. Ele se encaminha cada vez mais para longe da beira, estamos frente a frente, estamos abraçados. Sinto a vibração em minha garganta, quero usa-lo assim como os outros.

- Se afasta!_ Empurro-o.

- O quê?_ Me olha desentendido. 

- SE AFASTA AGORA! THÉO POR FAVOR, SE AFASTA! _ Grito tentando controlar a vontade de cantar.

- EU NÃO VOU ME AFASTAR COISA NENHUMA! VOCÊ NÃO SABE O QUANTO EU ESPEREI PARA TE VER DE NOVO, O QUANTO EU CHOREI DE SAUDADES, TUDO ME LEMBRAVA VOCÊ , SEMPRE VOCÊ EM TODOS OS MEUS PENSAMENTOS, SE VOCÊ ESTAVA BEM, SE VOCÊ AINDA ESTAVA VIVA, SÓ VOCÊ MERLIA! DROGA!_ Ele está louco de raiva e descarrega sua angustia em mim.

As palavras dele me acertam como flechas em meu peito, lágrimas descem dos seus olhos. Mas em mim não dói como deveria doer.

- Me desculpa, mas eu preciso fazer isso me desculpa!

Quando percebo que Théo não irá se afastar, eu resolvo fazer isso para que ele não precise, não posso esperar a boa vontade dele. Nado, nado o mais rápido possível, para me afastar o mais rápido, pois sei que ele tentará me seguir. Retorno para onde nunca deveria ter saído, boa parte ainda está dormindo, mas algumas criaturas já estão acordadas e cumprindo suas tarefas. E por um segundo o que aconteceu na superfície pareceu apenas um pesadelo.

- Kaliméra! (Καλημέρα.)_ Um tritão me lança um sorriso de orelha a orelha.

- Kaliméra! (Bom dia!) _ Retribuo a simpatia com um sorriso forçado.

Sereia GregaOnde histórias criam vida. Descubra agora