Pai

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Merlia narrando...

Sinto um carinho suave em meus cabelos e acordo sentindo todo o afeto que aqueles movimentos transmitem, fico perplexa quando vejo meu pai diante de mim, por mais que pareça que eu o odeio não é isso que sinto por ele, só me sinto frustrada em respeito a ele, pois o que eu mais queria quando eu era criança, era ter meu pai por perto, eu ainda tenho lembranças de alguns momentos em minha memória e isso me entristece demais, porque sempre que essas lembranças surgem. Surge também a vontade de viver aquilo mais uma vez, só uma única vez seria o suficiente para mim. Poder sentir o conforto daquelas lembranças é como um presente de natal que foi esperado durante um ano inteiro.

Lembro também das noites em que chorei depois de apresentações de dia dos pais na escola, lembro do aperto no coração que sentia todas ás vezes que me perguntavam sobre o meu pai, do nó que se formava em minha garganta, das tentativas de mudar de assunto, dos sorrisos sem graça que eu dava para conter o choro e para fingir que sua falta não me afetava. Mas agora o que mais me dói é saber que enquanto isso acontecia ele estava lá e não fazia absolutamente nada, ele me ignorava, depois de tudo o que se passou ele ainda se intitula pai e age como se tivesse me abraçado em todos os momentos em que precisei. Eu não o odeio por isso, eu tenho raiva de mim, por ainda querer o seu abraço e carinho.  Mesmo me condenando por isso eu o abraço e choro igual a garotinha de cinco anos, que chorava quando sentia a tua falta.

- Ah minha pequena, está tudo bem _ Diz me apertando.

- Não era para mim estar te abraçando _ Minha voz sai entre soluços.

- Eu sei, eu sei todos os seus pensamentos, esqueceu?_ Essa era a última coisa que queria ouvir agora.

- Então sabe que eu queria te odiar né?_ Falo sem me preocupar se irá magoá-lo ou não.

- Sim, sei disso também _ Sorri desconfortável. 

- Por que você demorou tanto?_ Minha pergunta soa mais como uma acusação do que como uma pergunta de fato.

- Eu demorei o tempo necessário._ Suas respostas são sempre vagas.

Fico um tempo pensando em sua resposta, resolvo me calar, pois se falasse algo não iria parar mais. Descarregaria todos os meus demônios nele e não quero que ele saiba todas as minhas fraquezas, ele é meu pai, mas é um deus acima disso, portanto não é muito confiável, já provei da fúria divina e não quero provar novamente.

- Lembra da Peteca? _ Pergunta sobre minha cachorrinha, que fugiu quando eu era pequena, fiquei com ela apenas três dias, mas era a cachorra mais fofa do mundo.

- Claro, era uma mini cachorrinha, tão pequena e fofa. _Poseidon sorri e me lança um olhar que diz " Tem um dedo meu nisso".

- Ah não, não vai me dizer que era você?_ Pergunto esperando um não como resposta. Não é muito normal descobrir que cuidou do seu pai em forma de cachorro.

- Sim, era eu _ Faz uma pausa e sorri - Você estava muito triste quando encontrou  a Peteca _ Faz aspas com os dedos quando se refere a Peteca.

- Eu não acredito, ela era muito fofa para ser você _ Digo com desdém.

- Ah é? Veja só então. _ Se levanta endireitando a postura - Au Au Au Au _ Imita um latido horrível, não consigo conter a risada.

- Você é tão péssimo. _ Quando termino minha frase ele se transforma em um Pinscher, rodeia o quarto e depois vai até a varanda, me levanto com pressa e percebo que minhas pernas estão de volta, meu deus minhas pernas estão de volta, corro até ele.

- Pai, Pai, Pai, olha só isso, minhas pernas, como isso aconteceu? isso não é incrível? _ Falo tocando cada parte das minhas pernas ainda impressionada.

Ele volta ao seu físico normal e me abraça.

- Você demorou mais tempo para notar isso do que para me chamar de pai._ Um pouco de me alegria vai embora para dar espaço a insegurança.

- Nem percebi que falei isso _ Fico um pouco envergonhada e sorrio de canto - Mas como isso aconteceu?

- Fui eu, fiz um encantamento, você se transformará em sereia quando entrar em contato com o mar falando meu nome e em humana quando estiver em terra firme, mas saiba que ambas transformações lhe trará dor, não pude te deixar isenta disso._ Fala a última parte com pesar.

- Obrigada, não se preocupe com isso, eu estou feliz _ Paro e penso na punição que tive dos deuses. - Espera, por que eu estou me sentindo feliz? Eu não deveria ficar sem sentir nada por toda eternidade?

- Eles não podem te condenar com isso, só fizeram você acreditar que poderiam, eles mexeram com o seu psicológico, te fizeram se auto condenar.

- Você sabia disso? _ Pergunto decepcionada, eles são piores do que eu imaginava.

- Sabia _ Vejo a culpa em seus olhos  - Mas eu precisava que você acreditasse, pois assim aumentaria o ego de Zeus e ele te deixaria em paz, para te manter mais segura te transformei em sereia, porque ele não tem controle sobre os mares.

- Então por que me deixou voltar? _ Estou completamente confusa e com raiva.

- Porque você não pode passar a vida toda na água, quase um ano já foi o suficiente para acalmar as coisas no Olímpio e você não estava muito bem ultimamente, estava se perdendo e deixando de ser você._ Sinto a culpa em sua voz.

- Nossa, eu passei quase um ano escondida? Jurava que foi bem menos._ Fico impactada com o tempo que passei me escondendo e anulando tudo o que me fazia ser eu.

- No mar, a noção de tempo diminui mesmo_ Olha para o mar atrás dele.  -Eu tenho que ir agora, filha.

- Tudo bem, pode ir, ainda tenho muita coisa para digerir._ Fico triste por ele ir logo agora, mas já estou acostumada.

- Até mais pequena._ Ele desaparece como se nunca estivesse tido no casebre, solto um longo suspiro.

Quando penso que as coisas não podem piorar sempre pioram, ainda bem que aos poucos estão começando a se ajeitar, não acredito no que meu pai falou sobre a punição, os deuses são bons em mentir, mas eu sei que algo se quebrou em mim naquele dia. Sei de algo que pode comprovar se realmente ainda tenho sentimentos.



Sereia GregaOnde histórias criam vida. Descubra agora