Caçada aos traidores - 04

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O olhar de Klaus era o presságio de uma tragédia. Todos ao redor da mesa temiam pelo pior, a notícia da qual Klaus tivera sido comunicado por Gugh, era terrível, inacreditável e inesperada. Poderia ser qualquer um, desde um simples cozinheiro do seu Palácio, ou até sua esposa, que ele poderia deixar passar, talvez ele espancaria, tiraria os dentes ou cortaria os dedos. Mas ouvir da boca de um porteiro, que o homem que ele tratava como um filho seu, o melhor servo que ele teve um dia, havia o traído e fugido com a sua assassina preferida, foi demais para o imperador.

- Meu soberano, não se preocupe, seus homens estão perseguindo ele. Logo mais o senhor poderá quebrar todos os ossos desse traidor. - As palavras saiam quase que sem som da boca de Gugh, o medo estava estampado na cara do guarda esquelético.

O soberano levantou-se rapidamente, pôs a mão no ombro do servo inútil que era o guarda, apertando sua pele com força bruta, encarou seus olhos espantados e disse:

- Não tolero criaturas como você sob o meu teto. Ou você tem passado despercebido por mim, ou eu estava em bons dias para não ter te expulsado antes.

- Com todo respeito, meu imperador... to-todos sabem q-q-que tenho feito um bom trabalho vigiando os portões do seu lar e... - Sua traqueia foi fraturada antes que terminasse de falar, por um soco violento desferido por Klaus, já impaciente. Gugh caiu engasgando no chão com o seu próprio sangue, até não conseguir suportar a falta de ar e falecer depois de alguns minutos agonizando.

Longe do ódio imensurável de seu "pai", Eliaquim já podia avistar a gigantesca floresta de Vanír, um paraíso esquecido, onde estranhas criaturas residiam. Após adentrar um pouco mais no matagal, com uma certa dificuldade ele encontrou Kerolaine, ela estava ao lado de uma águia ameaçadora, de penugem negra e quatro metros de altura. Desceu do cavalo e ajoelhou-se diante da ave, em reverência.

- Senhora das águias, é uma honra.

- Pequeno Quim, você cresceu bastante e encontrou uma linda mulher. - a voz era relaxante e pacífica, como a voz de uma mãe sábia e amorosa. O guerreiro e sua namorada sorriram, mas precisavam se apressar, pois o exército de Klaus estava rodeando a floresta, formando um cerco contra os traidores.

Eliaquim aproximou-se de sua mulher com um grande sorriso no rosto que ia de orelha a orelha. Agarrou-a pela cintura e beijou seus lábios carnudos demoradamente, em seguida afastou seu rosto e encarou os olhos castanhos-claros puxados dela.

- Quem diria que depois de tanto tempo nesta terra, partirei para outro lugar. Isso tudo eu devo a você, sem o seu amor e a sua coragem, eu seria um monstro sem coração, estaria preso para sempre nesse inferno.

- Você é o homem da minha vida, e sempre será. Tu és o meu começo e o meu fim, eu te amo, Eliaquim. - Os dois deram-se as mãos e a águia se deitou no chão para que eles pudessem subir. Quim ajudou sua namorada a subir primeiro, depois foi até seu cavalo para pegar o resto da bagagem, acariciou o animal que por tantos anos lhe ajudou e virou-se para caminhar até a ave, mas foi surpreendido por uma flecha que foi atirada em seu braço direito. Depois mais algumas flechas foram atiradas, uma seguida da outra, a águia se assustou e andou cambaleando para trás. Um frio percorreu a espinha do jovem guerreiro, ele sabia o que estava para acontecer.

Foi como ele havia imaginado, centenas de guerreiros e arqueiros saíram de todos os lados, cercando os fugitivos em um espaço apertado. Os arqueiros acertaram primeiro a criatura voadora que gemia fazendo um barulho ensurdecedor.

Eliaquim gritou, sacou sua espada e esperou o ataque de alguns guerreiros que correram em sua direção, pulando por cima das varias raízes de árvores que percorriam todo o lugar. Com muita destreza, ele derrotou os quatro guerreiros inexperientes, dando um show de esgrima. Kerolaine  gritava para que Eliaquim corresse para a águia, mas era impossível, os guerreiros todos estavam concentrados nele. O rapaz olhou para a ave, depois para os espadachins, e fez isso repetidamente por alguns segundos, até compreender a situação.

Todos precisam escolher, e as escolhas sempre levam a caminhos desconhecidos. Eliaquim sabia disso. Se não tivesse escolhido ingressar no exército do tirano Klaus, nunca conheceria o amor de sua vida, nem mesmo teria pensamentos bons, como ajudar seu povo, livrar o Sul de pessoas como o imperador cretino que tornava aquelas terras um terror. Foi então, que cercado pelos guerreiros da ordem sangrenta e vendo sua amada Kerolaine alçar vôo na águia gigante, ele decidiu ficar. Somente ela atravessaria o mundo e construiria uma nova vida, mesmo que tivesse de se acostumar a viver sem ele, Eliaquim conhecia muito bem sua mulher, uma guerreira implacável de coração justo e honesto, forte tanto fisicamente como mentalmente, ela poderia o fazer, na verdade ela teria de fazer esse sacrifício de deixar para trás o homem que lhe trouxe a felicidade novamente.

O tempo desacelerou, as vozes ao seu redor abafaram-se, deixou a espada de lâmina longa escapulir dos seus dedos propositalmente. Apesar de ser considerado o melhor espadachim do Sul, o jovem guerreiro reconheceu sua derrota. Mais do que isso, ele havia aceitado o fim de sua vida, com bravura e determinação, como um cavaleiro dos tempos de honra e dignidade. Sir Eliaquim fechou os olhos e respirou fundo, até que a primeira lâmina foi cravada em seu torso por um dos assassinos de Klaus. Depois outra lâmina, em seguida um corte no peito, depois mais algumas dezenas de perfurações por todo o seu corpo.

O jovem que tivera saído da miséria e tornado-se o homem mais temido e admirado por todos em Sódres, foi brutalmente assassinado em uma manhã de clima escaldante, com o gigantesco astro de fogo como testemunha.

Kerolaine gritava de dor, não uma dor de um corte, ou de um golpe. Não. Era pior. Mas assim como seu namorado fez, ela aceitou seu destino e partiu em direção ao Norte. Jurou pela sua vida que Klaus seria estrangulado pelas suas mãos e que cada um dos homens que assassinaram seu amado, sofreriam mortes tão brutais como a do falecido guerreiro de profundos olhos cinzentos.

Quarttions - O Último TerúlyanOnde histórias criam vida. Descubra agora