Foi uma longa viajem, quase que sem nenhuma conversa. De quando em quando, o caçador virava-se para o jovem e alertava-o para tomar cuidado. Shall e Nôah atravessaram a Floresta Escura, enfrentando diversos obstáculos, como raízes gigantes, animais ferozes e imensos labirintos. Até que por fim, avistaram luzes de lamparinas em janelas de um amontoado de pequenas casas de madeira, rodeadas pela floresta, como se estivessem no centro de uma clareira. Em seus telhados, chaminés de tijolos alaranjados cuspiam uma fumaça esbranquiçada que se misturava a uma neblina densa que pairava sobre o imenso campo gramado, escondendo um riacho extenso que caía sobre uma ladeira e encontrava lá embaixo, o rio Tysseng.
Tinham chegado em Hóde, lá viviam humanos e alguns karakis, eram em sua maioria agricultores e pescadores. Ambos seguiram um caminho de pequenas pedrinhas brancas, que serpenteava por sobre o lugar, como veias de um rio, formando ruas e trilhas. Os cavalos estavam exaustos e recusaram-se a seguir em frente.
- Parece que hoje ficaremos em uma hospedaria. - disse Shall descendo do animal quadrúpede, enquanto olhava para um recinto a sua frente, feito de tijolos amarelos. Uma placa de madeira, na entrada do lugar dizia: "Descanso do peregrino. Uma noite, dez rúnions."
Sem resistência, Nôah o seguiu, e em seguida amarraram os cavalos ao lado da pousada, em postes que alcançavam o segundo andar. Antes de entrar, Nôah parou sobre a soleira da porta e respirou fundo, admirando a noite soturna, onde a lua nascente mostrava-se timidamente através de nuvens escuras, e as poucas estrelas lhe faziam companhia em meio ao céu que parecia estar tão perto do chão. Maio chegou tão depressa, que fez o jovem de orelhas pontudas refletir sobre o tempo, e seus efeitos. Aquela era uma época fria, e o clima trouxe pensamentos melancólicos, que o fez pensar em como deveriam estar seus amigos. Desejou que estivessem bem e a salvo das criaturas horrendas com quem lutou outrora.
Mais tarde, no quarto onde passariam a noite, Shall acendeu a fogueira e sentou-se em uma poltrona em frente ao fogo. Em uma janela podia-se olhar para o leste, e lá, o riacho mostrava-se animado, fazendo um chiado e refletindo a luz da lua. Nôah observava a paisagem, perdido em milhares de pensamentos, estava ansioso, e o sono nunca chegava. Queria fazer perguntas ao homem misterioso. Acima de tudo, desejava ver o rosto da estranha figura de sobretudo. Então, depois de um tempo, tomou coragem e prosseguiu.
- Quem é você? - perguntou olhando diretamente para Shall. O caçador levantou a cabeça, pôs a mão em um bolso da calça escura de malha grossa e tirou um tabaco. Levou-o até o fogo da lareira, acendeu e pôs na boca, sem dizer nada, sem olhar para o voully curioso.
Impaciente, nervoso e amedrontado, Nôah se dirigiu a cama, cobrindo-se com um cobertor quente.
- Tudo o que precisa saber, é que sou o que devo ser. E que se sou assim como pareço ser, é porque escolhi este caminho. - respondeu Shall, observando a madeira estalar, enquanto queimava no fogo. E Nôah adormeceu assim, sem entender ao certo o que significavam aquelas palavras.
Seu sono foi conturbado, por sonhos estranhos e agoniantes. Uma hora se viu em meio a uma fortaleza, onde um homem de manto negro e encapuzado, carregando um cajado de ossos, controlava um exército de monstros, tais como: nillúz, borians, norvills e ordenou que eles invadissem varígnes e matassem Jimmy.
Porém, Nôah havia escondido o pequeno terúlyan e não pretendia entregá-lo as criaturas. Lutou até a morte contra os monstros e quando deixou de respirar, acordou assustado, puxando ar para os pulmões rapidamente.
Agora, desperto e descansado, Nôah sentiu a magia voltar para seu corpo e alegrou-se.
No quarto, a lareira estava apagada e as janelas estavam todas abertas. Através delas, os primeiros raios de sol encontraram o rosto pardo do jovem voully, ofuscando sua visão. Em um pensamento repentino, se perguntou onde devia estar Shall. Podia-se ouvir muitas vozes abafadas, no andar de baixo, certamente deveria haver uma grande movimentação de inquilinos, mesmo naquela hora.Um karaki de aparência engraçada apareceu na porta que estava entreaberta. Seu rosto era avermelhado e tinhas longos cabelos loiros trançados, acompanhados de uma barba loira e longa. Vestia um avental de cozinheiro e também luvas de couro cor de vinho.
- Bom dia, senhor! - disse abrindo a porta - Eu sou Damian, dono do Descanso do peregrino. Me perdoe por entrar assim, mas se o senhor quiser, pode juntar-se a nós, para o desjejum.
Nôah se levantou depressa, arrumou
sua roupa e caminhou até Damian, para cumprimenta-lo.- É um prazer, Damian. Sou Nôah, e devo dizer que sua hospedaria é muito agradável. - disse o jovem voully sorrindo.
- Sua ideia me parece muito boa. Vou me juntar a vocês.
Damian saltou de felicidade, era um karaki muito alegre.
- Então me siga, senhor. Ah! Quase me esqueci. - Damian bateu com a mão na testa.
- Seu companheiro saiu ainda na aurora e
pediu para que o senhor não o seguisse e permanecesse aqui, conosco. Ele também disse que deve voltar antes do crepúsculo.Nôah não disse mais nada, apenas seguiu o dono da hospedaria até o primeiro andar, no salão de refeições, onde havia gente de todas as raças e de diversos lugares do mundo, comendo e bebendo, enquanto riam e cantavam acompanhando os músicos que alegravam o lugar com suas ilustres melodias.
Sentou-se em um banco, ao redor da mesma mesa gigante onde todos comiam lado a lado. Muitos o cumprimentaram e brindaram a sua saúde. Alguns desejavam saber de onde vinha e outros queriam ouvir histórias sobre seu povo: "Conte-nos sobre os orelhas grandes" diziam.
No embalo das conversas e depois de se satisfazer com a comida, Nôah lhes contou sobre a beleza do lugar onde morou quando criança: Fizladrín, o primeiro reino voullyano, e lhes falou sobre os anciões, que tinham milhares de anos de existência no mundo.
Revelou aos que o escutavam com atenção, como saiu do meio de seu povo em Sêffas, para morar com os descendentes de terúlyans, nas fazendas de Melquíh, mas contou apenas uma fração de sua história.
- Foi durante a batalha da ponte. Os humanos que viviam do outro lado do rio, deviam dinheiro ao meu povo, mas meu tio, que é o rei de Fizladrín, tem um bom coração e deu a eles uma chance, para que pagassem sua dívida. Meu tio enviou um de seus servos para buscar o pagamento que três embaixadores estavam enviando para ele. Mas o servo do rei foi morto e o pagamento nunca chegou as mãos de Ürdis, meu tio. Durante a batalha que foi travada por consequência desse ato, muitos morreram.
- Meus avós fugiram para Melquíh, para longe da guerra. A pedido de meus pais, eles me levaram junto e, lá, fui criado por eles, tendo de aprender a conviver com os varígs e todos os outros descendentes dos terúlyans.
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Quarttions - O Último Terúlyan
FantasyQuarttions é um incrível e vasto mundo medieval, regido pela magia dos antigos deuses e formado por quatro reinos, divididos por uma barreira mística, que separa os monstros cruéis das outras raças mais pacíficas. Essa gigantesca divisa foi feita há...