Um destino improvável - 01

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A gigantesca águia tivera terminado de transportar os últimos passageiros até a cidade mais próxima. O antigo lar dos Terúlyans, palco de uma tragédia sem precedentes na história de Sódres. Um lugar em ruínas, onde as trevas passaram a repousar; pois o caos apossava-se de ambientes onde existiam vestígios de medo e dor. Sim, era a antiga e pequena Truce, para a surpresa de Jimmy, que estava pisando em sua terra natal.

Os sobreviventes procuravam por abrigo, adentrando uma pequena floresta que levava ao centro, do que um dia foi uma cidade. Kerolaine estava abalada, pensava que aonde quer que fosse, estaria sempre em maus lençóis. O pequeno varíg se aproximou da linda mulher, pisando cautelosamente na areia da praia onde estavam.

- Com licença, senhorita. - Ah, vejam, só! Quanta delicadeza. Apesar de jovem, Jimmy era muito mais educado do que um nobre.

- Pois não? - perguntou Kerolaine, sem desviar o olhar da águia que voava de volta até Melquíh, para buscar Morlun e Sarah.

- Meu tio me contava histórias, das mais aterrorizantes sobre um antigo mau, que comandava essas criaturas. E se bem me lembro, as trevas sucumbiram. Então.

- Sei onde está querendo chegar, pequena criança. E se você acha que eu tenho repostas, saiba que estou tão perdida quanto você. - Interrompeu Kerolaine. As palavras dela causaram um certo incômodo no pequeno varíg. Certamente que ninguém consegue ficar calmo, ou sem muitas dúvidas quando eventos do tipo ocorrem.

A mulher bronzeada deu as costas e seguiu a trilha pela qual os sobreviventes estavam seguindo. Sírus estava por perto, sua espera pelo companheiro era tão grande quanto a do jovem Jimmy pela sua prima. A brisa do mar lhe balançava a longa barba ruiva, seu olhar era melancólico, pois ele, mais do que ninguém, sabia que Morlun estava fraco e se continuasse a usar magia, sua morte seria inevitável. O karaki ruivo questionava a forma como a magia funcionava.

"Por que raios, um deus cria uma forma de dar poderes aos seres inferiores em troca da vida deles?"

Naquele início de tarde, todos tinham muitas perguntas sem repostas. Alguns perguntavam-se, se sobreviveriam naquela cidade fantasma, sem alimentos e desprotegidos, e outros queriam saber quando voltariam para suas casas, e um ou dois contrariavam a idéia de ter que passar a noite alí, em uma clareira, rodeada de pinheiros mortos, próximo de ruínas de antigas torres e casas.

Logo, a noite chegou. E um breu, daqueles que você não pode enxergar nem as suas mãos, cobria aquele vilarejo de Truce, onde todos estavam acampados. Uma fogueira poderia ter sido acesa, mas Sírius não permitiu, alegando que luzes na escuridão atrairiam companhia indesejada.
Ainda eram oito horas, a lua nascente estava escondida atrás de nuvens negras e as estrelas pareciam ter medo de brilharem naquelas redondezas.

Do outro lado do rio Soranso, na praça de Válleriz, os guardas que restaram terminavam de varrer o pó dos outrora incinerados, Norvills. Os moradores armaram tendas, para socorrer os feridos que estavam atirados por todos os lados. Dentre eles, um senhor trajado como como um mágico, gravemente ferido. Uma pequena varíg de olhos azuis-escuros e de aparência não tão humana, - que devia ser fruto de cruzamento entre raças - tratava de seus ferimentos. Ela enrolou as mãos profundamente queimadas de Morlun, em tiras de pele de carneiro, após ter passado alguns cremes extraídos de plantas da antiga floresta Amazocanai, em Fidélis.

Diferente dos outros pacientes, ele estava acordado, mas não havia dito uma palavra, desde o encontro com Meledine. Sentia por não ter conseguido salvar Sarah, ou por não ter mais tanta disposição para usar magia como há centenas de anos, quando lutou ferozmente usando todo seu poder na grande guerra dos pinheiros, em Truce. E ao lembrar-se do passado, ele passou a se perguntar do paradeiro de seus "novos companheiros".

- Não é possível que não tenha nada para comer aqui. - resmungou Sírus.

- Esqueceu-se de que estamos em Truce? Não há frutos que nasçam nas árvores daqui. Os animais há muito morreram, e se quiser comer das acerolas-roxas que vimos naquele arbusto enquanto era dia, vá em frente. Isto é, se quiser morrer. - disse Jimmy.

- Devem ser venenosas. - o karaki replicou.

- Certamente. - Confirmou um dos sobreviventes alí presentes. Este chamava-se Tibátus. Um varíg mestiço, resultado da mistura de raças. Seu formato de rosto assemelhava-se ao de um humano, mas também tinha traços de felinos como gatos e tigres. A altura era a mesma que a de um varíg comum; Um metro e cinquenta e dois. Cabelos castanhos-escuros e olhos azuis quase pretos.

- Quem fala? - Ninguém respondeu. Aquilo deixou Sírus frustrado, ele tentava espremer seus olhos para enxergar algo, mesmo que fosse uma sombra.

Kerolaine virou-se de um lado, para o outro, no chão de terra escura, pouco confortável, depois, em agonia e sem paciência, levantou-se somente seu torso.

- Pela graça dos antigos deuses, façam silêncio, há quem queira dormir! - Jimmy tossiu alto e forte, sua garganta estava seca de sede.

- Desculpe. Confesso que não consigo dormir onde nem uma pequena vela, faça luz.

- O que faz para dormir quando não tem sono? - Sírus perguntou. Nesse momento, todos ficaram em silêncio, pois um barulho alto lhes interrompeu. O uivar de um lobo gigante, podia ser ouvido de qualquer lugar da pequena Truce. Estava longe, bem longe daquela clareira, mas aqueles que estavam acordados tremeram de medo. Jimmy segurou um choro de desespero, mas era possível ouvir o pequeno varíg gemer silenciosamente.

Sírus era o mais valente. Contudo, mesmo ele tivera se assustado. - Se eu estou espantado, - pensou - o garoto deve estar para desmaiar. Seu traseiro já doía, de tanto tempo sentado naquela terra dura. Então pôs-se de pé e entoou uma antiga canção com uma voz grave e lenta, que era mais ou menos assim:

vi tempos prósperos,
Onde via crianças sorrirem.
Mas o mau cobriu meu mundo,
Deuses que vivem nas estrelas,
Me digam por que nunca os vi intervirem?
Rogo aos meu irmãos para que protejam a minha família.
Quando verei a luz de novo?
Talvez daqui há alguns anos,
Ou por toda a minha vida.

Quando percebeu o silêncio, minutos depois de ter terminado, deu-se por conta de que todos haviam dormido.

Quarttions - O Último TerúlyanOnde histórias criam vida. Descubra agora