- É a última de sua raça. - disse Meledine, enquanto Füler empurrava a jovem varíg até o seu senhor.
De certa forma eles não eram culpados por ter levado a criança errada. O brutamontes de cabeça raspada teve um raciocínio invejável, ao deduzir que Sarah - por carregar o arco que pertenceu outrora a uma terúlyan - tinha o sangue puro dos pequeninos de olhos brilhantes. Meledine também teria pensado o mesmo, se tivesse a encontrado antes.
De repente, sem saberem o que estava acontecendo, sentiram o lugar estremecer. As chamas das tochas e da lareira, apagaram-se. O único que parecia não dar importância para aquilo, era o lorde de Império Natural. Pois afinal de contas, era ele quem estava causando o terremoto.
Sarah não sabia porque estava alí, muito menos porquê referiam-se a ela como "a última de sua raça". Não fazia idéia de que estava do outro lado da barreira mágica; o lugar que tanto temia, o lugar que todos queriam distância.
Estar alí era estranho. A sensação era de morte e sofrimento. Até mesmo o ar que Sarah respirava, parecia estar causando uma mudança em seu interior. Certamente aquele não era um lugar para raças como os varígs.
- Senhor? - perguntou Meledine. Séfratus estava no canto do salão, apoiado com suas mãos na parede da montanha. Seus olhos estavam fechados e esprimidos, estava tentando conter sua raiva. Ele não tinha planejado matar nenhum de seus súditos naquele dia, nem queria ter de o fazer.
Füler sabia que seu senhor não estava contente com aquela situação, e deixa-lo com raiva não era uma opção, era algo que devia ser evitado ao máximo. Ele e Meledine encararam-se, perguntando com o olhar, quem deveria falar com Séfratus sobre o que estava acontecendo. Mas para a sorte deles, Sarah tomou a frente.
- O que vocês querem comigo? - A voz doce e suave da varíg lembrou o lorde de sua missão. A pergunta da pequenina foi ignorada por todos, e o lorde se impôs logo em seguida.
- Eu pedi a vocês dois, para que trouxessem a criança de olhos azuis, tão brilhantes quanto um relâmpago. Vejo que não se deram nem o trabalho de verificar a cor dos olhos dela. - Os dois companheiros viraram a garota e olharam para os olhos azuis-escuros dela, e então, só então, perceberam seu erro. Sentiram-se destruídos por dentro, haviam falhado com o seu senhor, e isso resultaria em suas mortes.
Pois então, Séfratus respirou fundo e mandou que levassem a jovem varíg para uma sela. Ele não queria mata-la. Não faria sentido tirar a vida de alguém, sem um propósito. Ainda mais porque mais tarde, a varíg poderia lhe ser útil. Quanto aos seus dois servos, ordenou para que encontrassem o último terúlyan.
Eles se retiraram e levaram Sarah para o calabouço da fortaleza, que parecia mais uma caverna do que uma prisão. Algumas tochas iluminavam o gigantesco lugar, sombrio e silencioso. Haviam muitas celas, reforçadas com barras de aço, que desciam até as profundezas das terras úmidas, onde um forte odor de sangue condenava o lugar. Sarah não se atreveu a dizer qualquer palavra, nem resistiu contra sua detenção, pois sabia que em determinado momento surgiria uma chance para escapar, e jamais perderia as esperanças.
Trancafiaram-na em uma das jaulas e puseram um enorme cadeado nas grades aço. Os dois saíram sem dizer absolutamente nada. Sarah virou-se para a parede e deitou-se de lado no chão, pondo suas mãos em concha embaixo do rosto.
Agora estava sozinha, isto é, se não fosse pelos esqueletos que lhe faziam companhia. Sentia frio, o ar gélido e melancólico entranhava-se em sua pele, fazendo seus dentes baterem uns nos outros. A fome lhe doía como um soco no estômago. Por um momento tentou imaginar que havia desfrutado de uma ótima e farta refeição, como as que seu pai preparava para ela e para seu primo. Pensar nisso a entristeceu, perguntou-se sobre como devia estar Jimmy, e o que estaria fazendo Hugo. Talvez seu pai, a essa altura já tivesse organizado um movimento no vilarejo para encontrar ela e Jimmy.
E de olhos fechados, ela orou para os antigos deuses, - aqueles que criaram há incontáveis anos, o universo e Quarttions - com toda a sua fé, para que lhe ajudassem a fugir daquela fortaleza.
Uma mulher de cabelo curto e loiro mal tratado, de pele clara e suja, entrou no calabouço, descendo as escadas que vinham do primeiro andar, onde ficava a entrada da fortaleza, protegida por alguns guardas nillúz. Ela carregava uma bandeja retangular de prata, com pães, leite morno e biscoitinhos.
Alguns momentos antes, Kimberli viu a pequena varíg entrar acompanhada pelos servos de Séfratus, no salão do lorde. Aquilo lhe chamou a atenção, e fez com que ficasse e abrisse mão da folga que seu senhor tivera lhe concedido.
A jovem ficou surpresa e alegre por ver um rosto humano e sem maldade no olhar.
- Quem é você? - Perguntou.
- Kimberli. Sou uma das empregadas do lorde.
- Que lugar é esse?
- Império Natural. Sinto muito por você, criança.
Ao ouvir "Império Natural", Sarah sentiu pena de si mesma. Finalmente havia entendido tudo. O porquê de estar alí e tudo naquele lugar ser tão sinistro. Engoliu em seco e pegou o alimento que a mulher lhe entregou através da grade.
Kimberli sabia que destino aquela criança teria. Um futuro semelhante ao seu, quando chegou naquelas terras. Por muito tempo foi maltrada de todas as formas, pelos guardas ou pelos altos servos de Séfratus. Ela sabia que em certo momento, Sarah também tentaria tirar a própria vida, assim como ela um dia tentou.A medida que as duas conversavam e se conheciam, um guarda ouvia tudo atrás da entrada do calabouço. Ele ouviu quando a pequena varíg citou o nome do seu primo, Jimmy, e de como os olhos dele eram brilhantes como as estrelas. Aquela informação lhe faria subir de cargo, e quem sabe, ter mais privilégios do que seus companheiros. Ele correu então para onde estava o lorde, precisava lhe contar depressa.
O coração de Kimberli estava em pedaços, ela não era mais a mesma. E por muito anos esquecera-se de sua antiga vida, mas aquela criança lhe lembrava muito quando era feliz vivendo com sua família, próximo as maiores montanhas de Melquíh, conhecida como Os Tridentes de Kúrlin. Sarah parecia uma versão sua, mais nova. Kimberli, agora podia ver fragmentos de sua infância perdida, onde nadava com seu irmão em lindos riachos e corria através de enormes florestas, desbravando o mundo.
- Eu queria poder ter aproveitado mais. Talvez se tivesse o feito, não seria tão infeliz aqui. Mal consigo lembrar dos rostos de meus pais. - Lágrimas tímidas desciam sobre o seu rosto.
- Não perca as esperanças. Da mesma forma que agora entendo ser possível entrar nesse lugar, mesmo com a barreira, meus parentes também saberão, e eles vão encontrar um jeito de nos salvar. - Em resposta, Kimberli deu um sorriso amarelo.
- Queria poder ter essa sua fé, mas depois de tudo o que passei, penso que isso seja impossível. E além disso, somente magos, usuários da magia de teleporte podem atravessar a barreira.
- Deve haver algum em Melquíh! É só esperar que.
- Depois de Meledine, só existe mais um. E ele vive em um reino muito distante de Sódres.
- Ah... Não é possível, sei que pode haver uma outra forma, com certeza pode!
- De fato, existe uma maneira. Tem um item chamado "Olho de Vanír". É uma pedra filosofal que em teoria transporta o usuário para qualquer lugar do mundo. No entanto, ele só funciona uma vez, e só pode levar uma pessoa.
Aquilo animou bastante a jovem varíg. Agora havia mesmo uma possibilidade de escapar daquela fortaleza. Ela só precisaria da tal pedra filosofal.
- É mesmo... Onde raios poderemos encontra-la ? - Kimberli soltou um sorriso confiante e pôs a mão em dos bolsos de seu avental.
- Essa aqui deve servir. - Ela mostrou a Sarah uma esfera esverdeada e brilhante, do tamanho de um dos pães que Sarah tivera terminado de comer.
- Não acredito, você tem a nossa passagem para fora daqui! - disse Sarah, com os olhos brilhantes de alegria.
- Desculpa ser estraga prazer, mas pelo fato de existir essa barreira mágica que divide nosso mundo, a pedra só irá funcionar próximo à ela. E se bem lembro, nas montanhas ao sul daqui, onde está a barreira, há inúmeros monstros, servos do lorde, trabalhando nas minas. É praticante suicídio tentar passar por eles.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Quarttions - O Último Terúlyan
FantasíaQuarttions é um incrível e vasto mundo medieval, regido pela magia dos antigos deuses e formado por quatro reinos, divididos por uma barreira mística, que separa os monstros cruéis das outras raças mais pacíficas. Essa gigantesca divisa foi feita há...