𝔑𝔬𝔳𝔢

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Adara passou a manhã completa no jardim, sendo acompanhada por Hakab enquanto o animal a observava treinando, chutando o ar e invocando seu poder, fazendo com que alguns redemoinhos de areia se formassem, tornando-se chicotes em suas mãos logo em seguida. Uma arma letal. Era assim que a féerica se sentia.
Ultimamente, era a única coisa que a satisfazia. A consciência da própria força.

Retornou ao palácio no período do almoço, entrando no salão com os fios bagunçados, ciente da gota de suor que lhe escorria pelo pescoço. Foi primeiramente até o sultão, curvando-se para o seu pai em uma reverência profunda, cumprimentando o grão senhor da corte noturna logo em seguida, dando um aceno com a cabeça para o capitão ao seu lado. Ótimo, o espião não estava ali. Era melhor assim. Adara sentia-se aliviada com a ausência dele, sentando-se na beira da mesa em silêncio, logo iniciando sua refeição enquanto prestava atenção na conversa ao redor, sem demonstrar qualquer sinal de interesse. De agora em diante, falaria apenas o necessário. Ergueria suas barreiras mentais e não deixaria que o illyriano falasse com ela novamente, nem mesmo pelo laço. Nem mesmo se sua vida dependesse daquilo.

Como se o caldeirão a amaldiçoasse, o guerreiro entrou pelas portas principais, silencioso. Ótimo. Talvez ele seguisse o mesmo exemplo dela.
Adara conseguia sentir o olhar dele sob suas costas, embora não ousassem dizer uma palavra. Todos da sala pareciam tensos, preocupados.

Quando o illyriano se sentou a sua frente, adara se esforçou para ignorar sua presença, fingindo não estar ciente da existência dele. Pelos deuses, como sentia falta daquela comida. Em todos aqueles anos de viagem, raramente comia algo que lhe agradasse. A maioria das comidas que ingeria no convés eram de péssima qualidade, fazendo-a vomitar na maioria das vezes poucos segundos após descer o estômago. Durante as batalhas, comia o máximo que conseguia. Não por vontade, mas necessidade. Precisaria de força quando entrasse no campo de batalha. E pelos deuses, adara era imbatível. Atravessava o campo como um raio de luz, acertando os inimigos com sua lâmina, e os que mantivessem-se de pé, eram dissolvidos pelos redemoinhos de areia, ou sufocados pelos seus chicotes. Quando contara a Cassandra de suas aventuras, a dama de companhia lhe prometera criar uma armadura que fosse perfeita. Ao recordar-se daquilo, um sorriso lhe escapou pelos lábios.

- Está animada hoje.. ou seria uma impressão minha? O sultão questionou ao levar a mão ao queixo barbudo, encarando a própria filha da outra ponta da mesa.

- Mal posso esperar pra decapitar algumas cabeças.

Adara desviou o olhar para o espião com um sorriso espertinho, voltando-se para seu grão senhor. - Estarei na porta, como a bela isca que sou.

A féerica havia revisado o plano por toda a madrugada, memorizando cada detalhe, saídas que fossem-lhe úteis e estratégias de como abater um maior número de bestas. Se o grão senhor da corte primaveril queria jogar nas suas terras, ela iria garantir que ele se arrependesse. Até seu último dia. Adara havia recebido a carta quando estava nos mares do sul, retornando de uma longa batalha ao ser surpreendida pelo pedaço de papel. Quando abriu o pergaminho, havia apenas uma palavra escrita. Foi o suficiente para que voltasse pra casa. Após as farpas trocadas durante a reunião, combinaram que adara serviria como isca, fazendo o papel da princesa com saudade de casa e indefesa, enquanto as bestas que ela não abatesse corressem pra dentro do palácio, seriam destruídas pelo encantador das sombras. O que restasse, ela não tinha certeza se queria saber o que os dois grão senhores planejavam fazer.

Posicionando-se na porta do grande palácio, a princesa esperava pacientemente. O traje que usava era muitas coisas, mas ridículo talvez fosse a única palavra que ela conseguia pensar. O vestido mais parecia um balão verde do que qualquer outra coisa. As mangas eram bufantes, a saia, ela tinha certeza que se uma corrente ar pudesse chegar até lá embaixo, a princesa sairia voando em pleno ar, sem ninguém que conseguisse trazê-la de volta.

Ouvira relatos de que o vestido de noivado da parceira de Rhyssand, no noivado com Tamlin, não fora muito diferente daquilo. Forçando o melhor sorriso que conseguia, Adara entrou naquele jogo.

- Azriel. -

O espião decidiu que não pensaria mais em sua parceira. Parceira, finalmente aceitara o fato de que não havia como cortar aquele laço. Mas poderia cortar qualquer o tipo de interação com ela. Após a conclusão da reunião com Hadij, grão senhor da corte Oriente, decidiu que iria dar uma volta pelo reino. Fazia muito tempo, que não andava por aquelas ruas. Sua trajetória começou pelo mercado. Visitando os comerciantes que imploravam atenção, oferecendo de lâmpadas mágicas até mesmo encantos e feitiços, bules do próprio sultão. O espião sabia sobre a magia naquele lugar. A corte oriente, após tantos anos escondendo-se secretamente, acabou misturando todos os tipos de féericos, criando uma raça tão bela quanto os illyrianos. E a magia, pelo caldeirão. Devido as bestas e criaturas antigas que abrigavam-se naquele lugar, a magia era muito mais forte que em diversos territórios de Prythian. Existindo de féericos, até gênios e sacerdotizas poderosas. Feiticeiras que nem mesmo ele se atreveria a dizer o nome. Mas ainda assim, a cidade não perdia seu encanto. O mercado era repleto de tendas e barracas, passando por vielas minúsculas que você precisaria se espremer, até ruas largas com chafarizes e elefantes passando pelo local. Se o encantador não conhecesse a Vellaris, diria que era o lugar mais belo que já vira. Sentando-se no telhado de uma casa, decidiu observar o movimento em silêncio, ignorando as próprias sombras e suas cruéis palavras. A cabeça do espião latejava. Se era cansaço ou estresse, ele não saberia dizer.

Conforme a noite passava, as luzes acendiam-se, e as barracas eram desarmadas. Até mesmo o mais bêbado encontrou um lugar pra dormir em paz. Observando as estrelas, a princesa féerica veio a sua mente, fazendo-o suspirar em exaustão, fechando os olhos castanhos. Não poderia ser feliz com ela. E nem ela com ele, pois não era digno. Não a merecia. Um illyriano tão cheio de sombras, ao lado de um ser cheio de luz.

Mas algo em sua mente dizia, que talvez a princesa agora fosse tão escura quanto ele.

O espião agora aguardava na sala do trono, com a postura ereta em posição de combate, aguardando. Levou horas para o ataque começar. Subitamente, os gritos começaram. Mas não eram gritos de criaturas humanas ou féericas. Eram gritos que viam do mais profundo abismo sombrio. O illyriano conseguia distinguir 20 criaturas diferentes. Até que entraram na sala. Adara corria até o centro do grande salão, brandindo sua espada. Pouco a pouco, as criaturas formaram um círculo no ar. Pareciam uma espécie de gárgula, com dentes com um rosto deformado e dentes que cortavam o que quer que estivesse no seu caminho. As asas eram curtas e negras, mas do tamanho apropriado pra segurar as criaturas podres que circulavam em volta deles. O espião não se lembrava dos livros mencionando gárgulas com quase dois metros. Unindo suas costas as da princesa, formulava uma maneira de abater as criaturas. Das 20 que ele conseguira distinguir, restavam apenas 9. A sua esquerda, um grupo de três delas se formava, gritando em uníssono, enquanto alguns metros acima da féerica, quatro delas estavam prontas para o ataque, como se esperassem, avaliando suas novas presas. As outras duas arrastavam-se no chão, com as asas quebradas e o sangue negro arrastando pelo piso de mármore.

- Pronta?

- Eu já nasci pronta, encantador.

Adara foi a primeira a atacar, brandindo um chicote invocado pela pura magia e derrubando uma das bestas, que desceu até o chão, batendo a cabeça em uma coluna. O barulho foi agonizante. Azriel não precisava olhar pra ter certeza que estava morto. Foi sua vez de atacar.

Juntos, ambos o féericos lutavam lado a lado em perfeita sintonia, quando tudo explodiu em luz. A única reação que tivera tempo de exercer fora erguer os braços, protegendo o próprio rosto. Quando Azriel abriu os olhos, não conseguia assimilar o que estava a sua frente. Adara flutuava no ar, com redemoinhos a sua volta, que misturavam-se com a areia e desintegravam as bestas que apareciam. Os cabelos negros da féerica flutuavam, em perfeita sintonia com o chicote em sua mão direita, que estalava em uma das criaturas, cortando-lhe a garganta. Com a outra mão, ela sufocava as bestas que apareciam de encontro a ela. A féerica era puro ódio. Observava o nada, com os olhos vazios, em chamas. A marca do sol ardia em sua testa, iluminando e dilacerando tudo que tentasse atingi-la.

Azriel abriu as asas, voando até os demônios no ar que ameaçavam sua parceira.


𝑨 𝑪𝒐𝒖𝒓𝒕 𝒐𝒇 𝑾𝒊𝒏𝒅 𝒂𝒏𝒅 𝑺𝒂𝒏𝒅Onde histórias criam vida. Descubra agora