𝔇𝔢𝔷𝔢𝔫𝔬𝔳𝔢

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O sultão observava o luar através da sua torre, e no céu afora, iluminado somente pelas poucas estrelas que pairavam ali, um falcão atravessava com sua mensagem. - " Encontre-a, Salve-a. Não importa o preço. "

As lembranças ainda obstruíam sua mente todas as noites. E mesmo exausto, quando o grão senhor finalmente fechava os seus olhos, tudo que conseguia ver, era ela. A jovem Lyria o observava, com lágrimas preenchendo seus belíssimos olhos em tom de azul, que harmonizavam com a pele bronzeada. Ele jamais esqueceria de tamanha beleza, não importava quantos milênios tivesse de sobreviver. Não esqueceria de seu olhar, da sensação de suas mãos, calejadas e pequenas, entrelaçadas as suas. Uma guerreira. Uma rainha, sua parceira, e sua grã-senhora. Ele jamais esqueceria quando a fêmea lhe entregou a criança, e quando sussurou tão baixo que parecia prestes a partir. - Proteja-a. Não importa o preço. Eu sempre, sempre, me lembrarei de vocês. Pra qualquer fim.

E lyria partiu. E não importava o quanto o sultão fosse egoísta, o quanto estivesse destruído e quebrado, o quanto sentisse sua falta. Porque assim como ele, ela tinha uma missão. Proteger um povo. A lembrança o invadiu, da illyriana que fora despejada aos seus pés, e quando o recém intitulado grão senhor havia decidido salvá-la e abrigar uma fugitiva, a Corte Noturna quase declarou guerra. Durante os séculos que conviveu com sua parceira, os deuses o haviam abençoado com sua Adara, um espírito tão indomável quanto sua grã-senhora. Mas sempre haveria um custo. E lyria precisou partir, apagando na mente de todos que já haviam a visto em sua própria casa, com sua própria filha. Apagando as lembranças da pequena criança também.

E quando os generais haviam chego a sua corte, tudo que restara era um féerico solitário e a filha de seu conselheiro, um pobre viúvo que decidira servir ao sultão em troca de rendição, e um motivo pra viver. Como tolos, haviam acreditado. Acreditado na mentira que eles mesmos forjaram devido aos seus pensamentos. E sua parceira, mãe de sua filha, agora encontrava-se longe, em uma terra há muito esquecida, em montanhas tão altas que nem mesmo Amarantha seria capaz de alcançar. E Lyria se tornou guardiã, se tornou mãe. Resgatando todas as fêmeas illyrianas que conseguia esconder, protejendo-as como havia lhe implorado para que velasse por sua filha.

Hadij fechou os olhos, sem suportar a dor que crescia em seu peito. Adara estaria viva, e lutaria. Não somente porque era a criatura mais teimosa que ele conhecia, mas porque era sua filha. E nela, eles confiaram um mundo melhor.



Adara


Quando sua consciência voltou, precisou de mais tempo do que gostaria de admitir para que pudesse abrir os olhos, sem compreender o que a esperava. Encontrava-se em uma cama aconchegante repleta de cobertores, em um aposento consideravelmente espaçoso. As paredes eram pintadas em tons de púrpura e dourado, com espirais azuis que se espalhavam por todo o ambiente, junto ao lustre de ouro pendurado no alto. Adara piscou, uma, duas. Até que perdesse a conta. Estaria alucinando, no mínimo. Ou talvez estivesse em um novo mundo, em uma nova vida. Como uma tola, esticou ambas as mãos. Pareciam as mesmas de sempre, e ela apostaria uma alta quantia de moedas que os deuses gargalhavam em seus tronos naquele mesmo instante. O cansaço havia finalmente deixado seu corpo junto ao esgotamento do poder, embora sua cabeça ainda latejasse suavemente. A féerica farejou. Mas todo o aroma que conseguia sentir era de grama recém molhada e lírios. O frio era absurdo, de modo que a féerica precisou engolir o orgulho e aceitar o manto que jazia pendurado em um cabideiro dourado. Foi puxando o material que cobria seu corpo e se levantou em um salto. Os hematomas haviam quase que desaparecido, embora ainda conseguisse distinguir uma mancha aqui e acolá em seus braços. Alguém a havia banhado, então. Adara deslizou as mãos pelo novo traje. Fora vestida com uma longa e frouxa camiseta de linho preta, com bordados em tom de lilás e azul celeste. A féerica tinha a impressão que a única função do espartilho ali era segurar a peça em seu corpo. Pelos deuses, estava tão pequena. Deveria ter pedido metade do peso, pois os ossos se sobressaltavam da pele, expostos em um convite sombrio. Engolindo em seco, decidiu que por hora, traçaria um plano. Procuraria uma arma, ou o que quer que poderia substituí-la. E então encontraria uma saída e.. ela sequer sabia onde estava. Sentia-se perdida e inútil, sem qualquer esperança. E quando duas fêmeas surgiram a porta e a agarraram pelos braços, escoltando-a por um corredor, ela não protestou. Não reagiu, sequer se deu ao trabalho de memorizar suas faces, permitindo que a arrastassem até um grande salão com paredes que pareciam esculpidas com ametista, com janelas tão grandes que um illyriano adentraria ali sem sequer precisar dobrar as suas asas. Mas não fora isso que a surpreendeu, retirando completamente o ar de seus pulmões.

A sua frente, o salão se estendia espaçosamente, enquanto era arrastada por um longo tapete azul. Adara percebeu, o idioma do seu povo, o seu idioma, escrevendo longas palavras ali. Como se estivesse contando alguma história, como um pergaminho que se estendia até um trono. Era tão belo quanto a fêmea que o ocupava. Em sua base, esculturas de bronze cresciam dando forma a pequenos lírios, enraizando e crescendo dando suporte aos braços, e era tão alto que em seu topo, estrelas pareciam flutuar perante a cabeça da féerica. E foi a presença dela que havia lhe retirado o ar. Definitivamente, illyriana, Adara percebeu. A fêmea estava sentada de lado, confortavelmente, com as pernas esticadas sobre os degraus. Pra sua surpresa, usava um traje muito parecido ao que lhe fora dado, com excessão da parte de cima. O couro era trançado de forma cuidadosa em seus ombros, criando uma camada mais grossa antes de enroscar-se em seu corpo. Uma coroa de prata pendia em sua cabeça, com folhagens espalhando-se pelo seu cabelo. Os fios caíam em uma cascata negra e densa, que harmonizavam o seu rosto. Duas fêmeas faziam seus postos ali, com uma de cada lado, em uma razoável distância de sua senhora. As lâminas a fizeram engolir em seco. E mesmo assim, pra própria surpresa, Adara fechou qualquer expressão em seu rosto, formando uma carranca.

Com um sinal, as guerreiras a soltaram, e Adara não ousou em avançar. A rainha parecia não ter medo também, pois havia finalmente se erguido do seu trono, posicionando-se frente a frente. A féerica não cedeu, fuzilando a fêmea a sua frente sem hesitação. Segundos se passaram, ou poderiam ser minutos, quando ela sorriu. - Exatamente como eu imaginava.

Adara franziu o cenho, observando cada milímetro da desconhecida a sua frente, até perceber a presença do anel em seu dedo. E em um piscar de olhos, atirava-se nos braços da rainha, que agora sorria abertamente e a pressionava em um abraço caloroso, gesticulando de modo que as guerreiras não atacassem. O clima no salao pareceu relaxar. E ainda assim, Adara não pretendia soltá-la, com medo de que aquela felicidade se esvaísse e se encontrasse novamente naquela cela. Lyria desfez o abraço, tomando seu rosto em suas mãos e a observando, memorizando o rosto de sua filha com um sorriso tão gentil, que seu coração se aquecia. - Somos tão parecidas.

Adara finalmente sorriu, parecendo notar a semelhança extrema que havia ali. Haviam tantas perguntas.. pelos deuses. E mesmo com as mãos de Lyria em seu rosto, mesmo que ela a abraçasse novamente, adara ainda parecia não compreender, com o medo dentro de si ainda ali, sussurrando que talvez não fosse real. Talvez, estivesse sido encontrada sem vida naquela cela. Engolindo em seco, a princesa desviou o olhar, afastando-se gentilmente, embora a rainha lhe tomasse o rosto com a ponta dos dedos, um olhar tão firme que nunca o vira nem mesmo no próprio sultão. - Nunca. Nunca permita que esses pensamentos tomem conta de quem você é. E nem por um segundo pense que falhou como minha filha. É exatamente como eu sempre quis que fosse.


- " Conte-me sobre o encantador. " Lyria agora encontrava-se deitada em seus aposentos, com o rosto apoiado nos próprios braços conforme encarava a criança a sua frente, com um sorriso travesso. Adara corou, desviando o olhar pro lado. Tanto poder em um único ser, e ela precisaria entrar em sua mente também? Não teria forças para pensar em Azriel.. não por hora. - " É um belo nome. " Lyria agora gargalhava abertamente, levando uma das mãos a barriga enquanto Adara murmurava sobre privacidade, com uma expressão brava extremamente forçada. No entanto, quando sua grã-senhora finalmente voltou a encará-la, Adara engoliu em seco, segurando a bandeja repleta de comida que apoiava em seu colo. - Como você sabia? Que ele era a pessoa certa. Imagino que tenha sido mais fácil.

O sorriso da rainha se desfez, embora o olhar gentil permanecesse ali quando arrancou uma pequena uva e atirou a própria boca, dando de ombros. - Se está me questionando sobre isso, talvez já saiba a resposta.

Adara sorriu. Lyria não era como ela sempre imaginara ou sonhara. Era melhor.

𝑨 𝑪𝒐𝒖𝒓𝒕 𝒐𝒇 𝑾𝒊𝒏𝒅 𝒂𝒏𝒅 𝑺𝒂𝒏𝒅Onde histórias criam vida. Descubra agora