Capítulo 55

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Sai do hospital e prometi a Alison que eu voltaria o mais rápido possível, peguei um táxi e indiquei para ele o caminho, o motorista ficou levemente assustado no início, mas acabou me levando até meu destino.

Assim que o táxi chegou pude sentir a nostalgia me invadindo, tudo parecia tão igual, como pode em dez anos nada ter mudado? Paguei a corrida e desci do táxi, no mesmo instante que sai do veículo uma moto passou correndo bem próxima a mim, senti o coração acelerar de susto e medo, mas tudo bem, isso é algo comum por aqui, eu só tinha perdido o costume.

As lembranças que vieram em minha mente eram inumeráveis, eu não sabia se gostava delas ou não, talvez eu gostasse de algumas e odiasse outras. À medida que eu ia andando subia mais, e até mesmo as tintas das casas ainda eram iguais, será que aquela velha senhora ainda mora ali? Pensei. Dona Odete era uma senhora legal, diziam que ela odiava crianças, mas era mentira, lembro que sempre que brincava e corria por aqui, no final ia até a casa de dona Odete e a mesma me dava água e as vezes, até mesmo um pedaço de bolo ou biscoito.

Eu já tinha andando metade do caminho, agora era frequente ver homens armados, eles todos me olhavam, nenhum se aproximou, ignorei-os e continuei andando, eu podia jurar que um ou outro, eu reconhecia do tempo de infância, aonde juntos brincávamos de polícia e ladrão. Quanto ironia.

"Hey, onde você pensa que vai" Um homem me abortou, ele não fazia questão de esconder sua arma, uma poderosa AK-47, já fazia tempo que eu não via uma arma, mas sabia distinguir de longe um calibre do outro.

"Eu preciso ir no chefe" Falei como se pedisse um copo de água, o homem riu na minha cara.

"E por acaso quem você pensa que é? Olha, isso aqui é uma favela, não é lugar para patricinhas como você. Se você quer drogas, pode pedir a mim que te vendo e depois você vaza, você já chegou longe demais" Patricinha? Era assim que ele me via? Nunca ninguém tinha me atribuído esse título, mas tudo bem, apenas ignorei.

"Olha, eu não vim aqui atrás de drogas, avise ao Wellington que a Emily está aqui e quer falar com ele" O homem continuou me olhando como se eu fosse louca, eu o mandei ir e não esquecer de mencionar de quem eu era filha.

Por muitos anos meu pai era o chefe daqui essa favela foi durante toda minha infância e parte da minha adolescência, a minha casa. E quando eu digo que a favela era a minha casa, eu digo isso literalmente, pois eu vivia livremente por todas as suas ruas correndo e brincando, na época eu era uma criança sem noção real do que acontecia por aqui, minha mãe trabalhava muito e eu tinha que ficar em casa sozinha, é óbvio que ela me mandava não sair de dentro de casa, porém eu apenas era espoleta e não a obedecia, quando ela chegava, acabava me colocando de castigo ou batendo, porém não adiantava, eu queria brincar, no final eu saia novamente no dia seguinte. Meu pai, como chefe daqui, impunha respeito, ninguém fazia nada contra mim, muito pelo contrário, cada morador e cada 'funcionário' seu tinha que cuidar de mim. Eu realmente apenas brincava de forma inocente e não sabia o que tinha por trás disso aqui, eu era tão inocente, que só quando eu já tinha mais de dez anos é que comecei a entender algumas coisas e ver que aqui aconteciam negócios muito errados.

Eu posso fechar os olhos e ver aquela cena, um tiroteio terrível, muitos homens estavam mortos, naquele dia eu aprendi que existiam vilões e existiam mocinhos, existiam bandidos e existiam policiais, meu pai e todos os seus funcionários, ou seja, todos os meus 'tios', eram os vilões, os bandidos. Foi triste para mim descobrir isso, decepcionante na verdade, no início eu nem sabia como agir com essa informação, mas acabei tendo que conviver com aquilo, afinal era meu pai e era o lugar onde eu morava.


"O chefe mandou você ir que ele está te esperando" O homem voltou me tirando dos meus pensamentos e reflexões.


O homem me seguiu até lá, porém me deixou entrar sozinha na casa, eu não podia acreditar, era a mesma casa que meu pai mantinha para seus negócios. Arrepiei. Naquele ponto eu já não tinha mais certeza que tinha feito a coisa certa indo ali, entretanto eu já estava longe demais para recuar, eu não podia virar as coisas e dizer que me arrependi de estar ali e ir embora, com uma atitude dessa eu poderia acabar até mesmo morrendo com um tiro ao descer a favela. Só me restou entrar na velha casa e tentar que meus joelhos não fraquejassem e eu conseguisse ir até o final.

"Emyzinha, quanto tempo, você sumiu da gente, ficou metida" Wellington era um velho amigo, crescemos juntos nesse morro, ele morava na casa ao lado da minha, tínhamos idades iguais e brincávamos pelas ruas, agora ele tinha assumido o comando das coisas.

"Esse lugar não me traz lembranças boas" Confessei sem medo de parecer soberba.

"Esse lugar não traz boas lembranças a ninguém, mas eu sei que você veio me pedir um favor, eu não sei o que é, mas eu vou te ajudar em qualquer coisa" Ele disse antes mesmo que eu pudesse lhe explicar porque tinha dito até lá "Eu só não mato pessoas, você sabe, eu sou uma pessoa boa e sou da Igreja, não me envolvo com mortes, porém meus garotos, esses são bons, me diga quem você quer eliminar e eles fazer a pessoa ir conversa direto com Deus " Sua coerência era incrível, para não dizer ao contrário.

"Por favor Wellington, eu não quero que você ou seus garotos matem alguém pra mim" Me apressei em esclarecer aquele ponto antes que tudo pudesse ficar estranho.

"Não é mais Wellington, agora é Dado" Revirei os olhos.

"Para mim é Wellington"

"Continua a mesma criança atrevida, você não muda hein" Ele me olhou sério "O que quer de mim? Você não virou polícia, né? Você está com pinta de polícia, eu não quero polícia na minha aérea" Ele parecia levemente exaltado agora, o que não era bom, pois sua mesa tinha uma arma de alto calibre.

"Eu não sou policial, olha eu quero saber se você pode descobrir uma coisa para mim, é simples eu só preciso que você rastreie um número restrito" Inicialmente eu iria pedir isso para Eduardo, entretanto ele demoraria semanas até conseguir, porém no morro não, isso para eles é fácil, em poucas horas eles rastreiam uma ligação e descobrem o número e o local aonde ela foi realizada.

"Ex-namorado problemático?" Ele questionou, antes que eu pudesse responder ele acrescentou "Quer saber, não me importa o motivo e eu nem quero saber. Eu rastreio para você, mas meu menino que faz isso ta de folga hoje, você pode voltar amanhã?" Ele perguntou, voltar lá era fora de cogitação.

"Eu posso te deixar o aparelho, mas sem o chip, será que ele consegue"

"O menino é bom, ele consegue"

Por sorte eu já tinha apagado todas as coisas pessoais de Alison no aparelho, porque sim, obviamente que seu aparelho estava comigo, afinal a polícia poderia até descobrir o número de Hudson por seus próprios meios, porém não nos passariam, de forma que nada adiantaria eles terem aquela informação se não chegaria até nos, até mim.

O celular de Alison estava totalmente com as configurações de fábrica, não era um risco deixa-lo por lá.

Entreguei a Wellington o aparelho e o informei a hora e o dia da ligação que eu queria saber, ele me deu seu número e pediu que eu ligasse de um telefone público amanhã à noite, pois ele já teria o que eu queria, agradeci a ele e me levantei para ir embora, eu não tinha mais o que fazer ali, só queria ir embora.

"Hey, cuidado com o que você está fazendo" Eu disse a Wellington já da porta antes de sair, ele estava em um caminho perigoso e eu melhor do que ninguém sabia disso, ele estava seguindo o caminho de meu pai e seu final não era nada bom.

"Às vezes tudo que temos é o caminho errado para seguir" Ele me respondeu, eu já estava quase saindo pela porta quando ele me chamou "Emily" olhei para trás para saber o que ele queria "Cuidado com o que você está fazendo" Ele repetiu minha frase, aquilo tinha me pego desprevenida.

"Se para você o caminho errado é o único para seguir, para mim o caminho errado é o único que vai me levar para o caminho certo" Respondi a ele antes de sair.

Desci a favela com a cabeça mais cheia do que subi, Wellington repetindo minha própria frase, e mandando eu ter cuidado, ecoava em minha mente.

Esqueci até mesmo de ir pegar as roupas que Alison pediu, apenas fui direto ao hospital. Desci do táxi e antes que eu pudesse entrar no hospital, um menino veio correndo até mim. Roupas sujas e rasgadas, pés descalços, era um claro menino de rua.

"Toma tia, mandaram eu entregar isso" Ele me deixou um papel na mão e correu, eu tentei o chamar, mais ele já tinha atravessado a rua e virado a esquina, o menino correu o mais rápido que pode, em uns 20 segundos já estava longe do meu campo de visão.

Abri o papel dobrado

'Então você quer jogar?
Eu amo jogos, mas me tire uma dúvida, que tipo de jogo vamos ter? É do tipo corrida ou quebra-cabeça? Eu gosto de pensar que é um pouco de cada, 50 - 50, isso deixa mais excitante as coisas, você não acha? Melhor que isso só mesmo o fato de não existir regras em nosso game.

Eu sou um bom competidor, estou apenas aqui tedesejando boa sorte e informando que nesse momento, eu estou uma casa a suafrente, afinal eu sei onde você está e você não faz ideia de onde eu esteja.
Cuidado! Eu tô sempre mais perto do que você imagina.

PS: Estou ansioso aguardando sua ligação.

Assinado: Bom, você sabe quem eu sou -

Sigamos o jogo, to be continued'

Filho da puta. O xinguei sem nem saber se tinha falado isso mentalmente ourealmente em voz alta, olhei em volta o procurando, mas lógico que eu não oachei. Amassei a nota e joguei na lixeira a poucos passos de mim, me apressei eentrei no hospital o mais rápido que consegui, eu nunca tinha me sentido tãofrágil, tão vulnerável e amedrontada em minha vida. Meu corpo todo tremia,Hudson não estava longe como eu pensei, ele estava muito perto, a metros dedistância apenas.

Eu fui feita pra vocêWhere stories live. Discover now