Capítulo 66

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"Não, você está muito assustada. Fica calma e amanhã você me fala o que tiver que falar" Alison sugeriu, mas eu não podia aceitar aquilo, pois se eu não falasse agora, não teria coragem de falar mais tarde.

"Não, tem que ser agora" Supliquei.

"Emily, seja o que for, você fala amanhã, ok?" Eu não sei bem como explicar, mas eu conhecia Alison muito bem, ela era uma pessoa extremamente curiosa, ela sempre queria saber tudo na hora, de modo que, era estranho ela está adiando a conversa, me empurrando a não falar nada, eu só podia pensar que ela estava fugindo, como se ela tivesse um pressentimento sobre o que eu iria falar e não quisesse saber.

Eu não consegui mais dormir e julgo que tão pouco Alison conseguiu, ficamos apenas deitadas e abraçadas, de olhos fechados e refletindo sobre tudo que estava acontecendo, assim que o sol se fez presente ambas nos levantamos. O clima parecia um pouco estranho, era como se tivéssemos agindo de forma artificial uma com a outra, eu não tive coragem de lhe chamar novamente para uma conversa e ela tão pouco mencionou algo, ambas ignorávamos o ocorrido.

O dia se passou como um espelho da manhã, foi um dia estranho, eu precisava voltar ao trabalho e assim o fiz, Alison e Max foram comigo, porém até na ONG parecíamos agir roboticamente, nós duas sabíamos o peso que estava sobre nós, ao final do dia voltamos para o apartamento, escolhemos comprar o jantar pronto, não tinha clima para fazermos algo em sintonia, pois incrivelmente, no momento nos faltava sintonia.

Já era mais de 22 horas, Alison, Max e eu estávamos deitados na cama de casal vendo um filme, aquele tinha se tornado um cômodo confortável, sem câmeras de segurança nos vigiando.

Olhei para meu lado direito e vi que Max já tinha se rendido ao sono.


"Eu vou levar Max para o quarto dele, quando eu voltar precisamos conversar" Reuni toda minha coragem para falar essa frase, Alison me olhou levemente assustada, provavelmente ela pensou que eu ignoraria a conversa e deixaria fluir as coisas como estávamos fazendo, porém as coisas estavam fluindo muito mal, estávamos agindo como Androids e se continuasse assim eu não saberia aonde iria parar.


Tem algumas coisas na vida que são difíceis de fazermos, porém inevitavelmente tem de serem feitas, pois caso contrário, o resultado se torna mais desastroso. Esse era um desses momentos, porque por mais que a conversa fosse difícil e suas consequências pudessem ser infinitas, ela era necessária de ser feita, caso ela não fosse feita o clima tenderia a soar unicamente falso, tanto Alison quanto eu saberíamos que algo estaria errado e, de forma implacável, isso poderia afundar nossa relação de vez.

Fui colocar Max em sua cama, fiz tudo da forma mais calma e lerda possível, confesso que adiei ao máximo minha volta para aquele quarto e concomitantemente o início daquela conversa. Quando cheguei ao quarto estranhei Alison não está lá me esperando, fui procura-la pela casa e a achei na varanda, sentada ao chão, surpreendentemente, com um cigarro na mão. Eu não sabia que ela fumava, durante todo nosso tempo juntas, que já não era pouco, nunca tinha a visto fumar ou falar sobre cigarros, embora estranhamente o cigarro em sua mão tivesse apagado. Sentei-me ao seu lado.

Assim que me sentei ao seu lado, Alison não me olhou, porém iniciou um raro discurso.

"Eu costumava fumar quando me sentia tensa, era um forma de relaxar e deixar meus pensamentos me mostrarem uma solução para meus problemas, eu nunca tive ninguém para me ajudar a resolver as coisas, sempre fui só, então acho que o cigarro me fazia sentir-se menos solitária, você me entende?" Ela me perguntou, sua voz era serena e ao mesmo tempo perdida, era como se sua voz vagasse pelo ar e flutuasse, assim como seu olhar.

"Eu acho que entendo"

"É um pouco patético isso, né? Mas era assim que eu fazia quando eu estava no hotel com Hudson, antes de te conhecer eu fazia isso noite após noite, tinha virado um sádico ritual, eu apenas colocava Max para dormir e em seguida, pegava um maço de cigarro e sentava na varada, ficava fumando e olhando o céu, buscando uma solução mágica para meus problemas" Ela fez uma breve pausa "Mas então eu te conheci, e não mais repetia esse ritual" Ela fez outra pausa, essa um pouco maior, mas eu continuei calada durante todo o tempo, esperando ela terminar de desabafar, ou simplesmente, me dizer o que sentia "Conhecer você, logo no primeiro dia, me fez não mais me sentir sozinha, eu não sei ... eu apenas sabia que podia contar com você, por que você iria estar sempre aqui para mim, se eu caísse você iria estar ao meu lado. Então o cigarro se tornou uma companhia falha" eu continuava calada, Alison soltou um longo suspiro "Sabe o que mais? Quando eu caia o cigarro caia comigo, ficávamos nós dois no buraco e ninguém para me tirar de lá, mas você? Você, não. Agora sei que quando eu cair, você não vai cair comigo, você irá me suspender e tirar-me do buraco"

"Nunca duvide disso, eu sempre vou te estender a mão e te tirar do buraco, não importa de qual tamanho ele seja" Falei, eu não estava mais entendo muito bem o rumo daquela conversa, não entendia o sentido dela exatamente.

"Quando você disse que precisávamos conversar e se levantou para colocar Max na cama, eu surtei, eu entrei em total desespero, porque eu não sei exatamente o que esperar dessa conversa, eu não sei o que você quer me contar, entretanto eu sei que é algo grave, pois você teve um sonho ruim e passou o dia todo de hoje tensa, fora de si. Então, seja lá o que você for me contar, vai ser grave e eu não sei como isso irá mudar minha vida" Ela se corrigiu "Nossas vidas ... a incerteza de como tudo será, me fez surtar e eu peguei esse cigarro, ele era o último do pacote, está a muito tempo em minha bolsa, então eu peguei o cigarro, o isqueiro e sentei-me aqui, porém eu não consegui o acender, apenas fiquei olhando para ele e não o acendi" Só então ela me olhou, seu semblante parecia tão sereno que eu estranhei "Sabe por que eu não o acendi?" Ela me perguntou.

"Não"

"Porque eu era sozinha e só tinha ele, eu sabia que ele não iria me abandonar, estaria sempre ao meu lado e me ajudaria a tomar minhas melhores decisões, mas agora eu não preciso mais dele, por que eu tenho você, e não importa o que acontecer, você estará sempre ao meu lado e não vai me abandonar. Você vai me ajudar a tomar minhas melhores escolhas e então, o cigarro acabou virando inútil"

Era de certo uma analogia idiota que ela tinha feito, entretanto eu tinha entendido a profundidade dela, existia um buraco em sua vida e ela o preenchia com aquele fumo barato, mas agora eu tinha preenchido aquele buraco, de certo modo, eu tinha a completado.

"Alison, você disse que quando caísse no buraco, eu não cairia com você, ao contrário, me manteria firme e te ergueria, certo?" Perguntei serena, mas ainda assim com uma voz firme.

"Certo"

"Mas as vezes, você vai cair em buracos fundo demais e minha mão vai ficar curta para poder te alcançar, então eu terei de buscar cordas, escadas e guindastes para te sacar do buraco" Eu optei por continuar com as metáforas e analogias "E foi isso que aconteceu dessa vez, embora eu não acho que você caiu nesse buraco, eu penso que você foi jogada nele, porém ele é fundo, eu tentei apenas esticar minhas mãos e te tocar para puxar-te, mas não deu, então eu tive que buscar ajuda"

"O que você fez?" Ela perguntou direta, foi minha vez de soltar um longo suspiro e desviar meu olhar dela e fitar o horizonte, o nada.

"Primeiro de tudo, eu estou tentando caçar o Hudson por conta própria, eu peguei seu Iphone e fui até um lugar conseguindo rastrear o número dele e, eu liguei para ele, eu falei com Hudson"

"Você não fez isso" Alison tinha a voz áspera "Eu não posso acreditar, será que você não pensa nos riscos que corre?" Sua voz além de áspera agora era extremamente irritada e impaciente, eu senti que ela podia me bater, meu reflexo me fez até mesmo me esgueirar dela, porém ela não se mexeu "Por que você fez isso? E se ele ficar mais furioso com isso? Ele pode se sentir desafiado, amedrontado, acuado ... eu não sei, eu só sei que isso não pode acabar bem"

"Mas eu..." Tentei falar, ela me cortou

"Você não pode simplesmente querer acha-lo, você não é policial, você não representa a lei e se você o achar, o que vai fazer? Vai mata-lo por acaso?" Não respondi sua pergunta, fiquei calada "Por Deus, você só pode estar louca, Emily" A cada segundo a voz dela se tornava mais impaciente e nervosa "Você vai destruir sua vida por causa daquele idiota?"

"Ele quase matou Max" Gritei, se eu apenas falasse baixo ela simplesmente não me deixaria falar, então optei por gritar.

"E ninguém odeia mais ele do que eu por ele ter feito isso, mas não sou burra a ponto de estragar minha vida. Se você matar o Hudson, como fica? Hein? Como você fica?" Ela me gritou, acho que após meu grito ela se tornou confortável a gritar também.

"Eu não sei, não me importo comigo, eu só quero te proteger e proteger Max"

"Ficando presa você realmente irá nos proteger muito bem" Ela falou irônica "Você é uma fraca, eu pensei que você fosse mais forte" Suas palavras me golpearam a alma, eu não era uma fraca, nunca fui, ela não podia falar isso de mim, não quando eu estava me colocando em risco para a ajudar.

"Eu não sou fraca, não mesmo, eu apenas quero proteger você e Max, ou você acha que Hudson está sumido?" Foi minha vez de ser irônica "Ele não está, ao contrário, ele está sorrateiro e bem perto" Ela ao me chamar de fraca tinha conseguido me tirar do ponto central, acabei expelindo palavras sem usar um filtro e controlar os danos que elas causariam "Hudson tem uma foto de Max em seu telefone, uma foto de Max no hospital, eu não sei como, mas ele tem essa foto e, ele entrou no apartamento e bagunçou tudo, se quando a gente chegou aqui estava arrumado é porque pedi pra Eduardo arrumar antes e pior, ele entrou aqui antes da gente voltar com Max, aquele dia o segurança me chamou antes de você justamente por isso, Hudson tinha escrito uma nota no espelho do banheiro desejando boas-vindas a gente" Alison tinha os lábios levemente entreabertos, ela não esperava esses fatos "Eu vi as fotos que você escondia, Alison, ele me perseguia antes mesmo da minha viagem, esse homem é doente. Ou a gente acha ele e tenta fazer algo por nós mesmo ou nunca teremos paz"

" Eu não posso acreditar nisso, é um pesadelo maior do que pensei" Ela disse e pude sentir que sua voz estava prestes a romper e ela chorar, porém ela não fazia, tentava se manter forte.

Tentei me aproximar dela e a abraçar, tentar a confortar de algum modo, estávamos ainda sentadas ao chão, porém ela ao perceber que eu me aproximei, se levantou rapidamente "Você ia me esconder isso até quando? Qual era seu plano? Caçar Hudson, o matar e eu ficar sabendo tudo quando a polícia viesse bater aqui na porta e te levar? Ou melhor, eu poderia ficar sabendo pela televisão" Me levantei e fiquei em pé junto dela

"Alison, me escuta" Pedi.

"Eu não vou te escutar, você é tão doente quanto ele" Alison deu poucos passos e percebi que ela estava saindo da varanda, eu não podia deixar ela sair assim, a conversa ainda não tinha acabado. A segurei pelo braço a impedindo de continuar caminhando, sua reação foi totalmente surpreendente para mim. Alison simplesmente se virou e me deu um tapa no rosto. Aquele barulho ecoou pelo ambiente, era a primeira vez na vida que alguém me batia no rosto. 

Eu fui feita pra vocêWhere stories live. Discover now