CAP 12. PART2 - Justifique-se

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Suas roupas continuavam respingadas e suas mãos pareciam ter sido mergulhadas num balde cheio de tinta. Mas ela não se importava. Atravessou a quadra e, assim como algumas horas antes, ninguém notou.

Seus passos eram longos e rápidos ao contrário de todas as outras as vezes que fazia o caminho de volta para casa. Ela sempre pegava o caminho mais longo; se arrastava por todo o trajeto e, se fosse possível, arranjava um novo destino.

Porém nem sempre foi assim...

Um pouco antes de se mudarem, ela ainda corria para chegar o mais rápido possível com sua irmã. As duas riam o tempo todo, conversavam e cantavam músicas pelo percurso; jogavam as mochilas em cima do sofá; Eveline corria pelas escadas para tomar banho; Sarah lavava as mãos e se sentava à mesa na esperança de encontrar pizza ou lasanha para o jantar.

Susan sempre foi péssima na cozinha, por isso todos os dias o prato principal era alguma comida congelada ou um delivery tailandês que John trazia na volta do trabalho.

Então todos se sentavam à mesa e ouviam a mulher de cabelo ondulado e lábios rosados contar sobre seu dia repleto de situações inusitadas com seus pacientes. Eveline vibrava com cada palavra, enquanto Sarah contava os segundos para seu pai fazer algum comentário engraçado sobre o que sua mãe acabara de dizer.

E a noite acabava assim: os quatro aconchegados nos sofá assistindo desenhos animados até que uma das meninas caísse no sono só para ser levada no colo até sua cama.

As coisas começaram a desandar quando um daqueles escritórios de advocacia da cidade grande se instalou no centro, ou melhor, no prédio em frente ao escritório de John roubando quase todos seus clientes.

Quando perceberam já era tarde demais. E para as dívidas não se tornarem uma bola de neve ainda maior eles tiveram que usar o fundo da faculdade das meninas. Susan pegou mais plantões e mesmo assim a mudança para uma casa menor e mais afastada do centro foi necessária. E com ela vieram as brigas; Sarah e Eveline escolheram um lado para defender e se tornaram o que são hoje.

A garota girou a maçaneta e entrou em casa. O lugar estaria silencioso se não fosse pela televisão ligada sozinha na sala. Ela caminhou até o sofá, pegou o controle e passeou pelos canais até Susan pigarrear atrás dela.

As duas se encararam. Uma certa tensão preencheu o ambiente. Qualquer mentira seria facilmente detectada naquele meio. Sarah tinha coisas para confirmar. Susan tinha coisas para esconder.

— Como você está?

A garota desligou a televisão, ignorando a pergunta que tinha sido lançada.

— Aula de artes, ãhn? — Falou num tom divertido, fazendo Sarah cerrar os olhos. Ela nunca foi boa com piadas.

O silêncio tomou lugar com a falta de resposta. Os olhares cruzados; os lábios fazendo exatamente a mesma curva; as ondas do cabelo; os olhos amendoados. Ninguém podia negar a semelhança entre as duas. E como Susan gostava de dizer: a caçula era a sua versão adolescente um pouco mais emburrada.

— Você não estava lá... estava?

— Onde mais eu estaria?

— Não sei... — deu de ombros. — já faz um tempo que deixamos de ser sinceros sobre o que realmente acontece, certo?

— Eu estava exatamente onde eu disse que estava, Sarah.

— Espero que não seja mais uma das suas mentiras...

Susan respirou fundo e se aproximou da filha:

— Eu não sei o que você anda pensando... — murmurou, passando os dedos pelo ombro dela como se estivesse limpando alguma sujeira. — mas nós precisamos deixar as coisas claras por aqui... Eu sou a sua mãe e quem precisa se justificar é você, não eu. Tudo que você precisa saber é que amo você e sua irmã e estou fazendo o possível pra manter essa família unida e com um teto sobre a cabeça... Então porque você não troca de roupa pra termos um almoço civilizado em família? — Susan sorriu, dando as costas para ela. — É o seu prato preferido. Não demore. — disse a caminho da cozinha.

Sarah precisou de alguns segundos para retomar o controle das pernas; esbarrar com Eveline e ignorar as milhões de perguntas sobre a tinta em suas roupas antes de se trancafiar no quarto e alegar uma série de sintomas para não almoçar em família.

Todos sabiam que era mais uma mentira, mas ninguém contestou.

Nem mesmo Susan. Ela não arriscaria.

Não Diga Que Me AmaOnde histórias criam vida. Descubra agora