o1| A NOSSA FAMÍLIA NÃO CONVERSA MUITO

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"Eles não saberão quem nós somos, então nós dois podemos fingir. Está escrito nas montanhas, uma linha que nunca termina." Agnes Obel (Dorian)


— Que Deus abençoe a nossa família

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— Que Deus abençoe a nossa família.

Não soltamos as mãos imediatamente como sempre fazemos ao terminar a oração. Nosso pai permanece de olhos fechados, e um filete de suor escorre de sua testa para a barba negra e espessa. Sua oração silenciosa se torna mais frenética, fazendo o movimento de seus lábios ficarem mais ligeiros e incompreensíveis. 

Ele costuma proferir a oração no dialeto indígena, o qual, além dele, somente meu irmão consegue compreender alguma coisa, já que quando mais novo nosso pai o ensinou um pouco. Os olhos dos demais já estão abertos quando ele termina sua prece com alguns últimos murmúrios débeis e inaudíveis.

Começamos a comer em silêncio. Meus olhos, que estavam fixos no prato, por algum motivo se desviam para Connor.

Arranhões e algumas cicatrizes leves preenchem seus antebraços. Meu irmão parece não se importar com o que acontece com ele, desde que consiga trazer a cota de lenha do dia. Seus movimentos letárgicos e olhares vagos na refeição apenas evidenciam que andou bebendo de novo.

É a única coisa que sabe fazer desde que retornou.

Ao sentir os olhos do lenhador me observando, logo volto a atenção para a comida. A casa dos Greenwood não permite muita conversa durante as refeições em família, então, como ninguém ousa falar nada, o resultado é um silêncio mórbido.

John Greenwood é conhecido como o lenhador da cidade de Folks Village, que não fica muito distante de East River, a cidade natal de Gina Werther, minha mãe.

Talvez um dia eu entenda o que a fez fugir com John para se casar na pequena igreja da cidade, já que meus pais não aparentam ser românticos incorrigíveis, em especial John.

Mais uma vez, meus olhos estão fixos em Connor. As cicatrizes em seus dedos estão mais visíveis também. Ele não parece em nada com o menino que deixou esta casa seis anos atrás. Seus trejeitos não se encaixam com o meu irmão, tampouco a aparência, agora um tanto apática e decrépita, como se ele vivesse em um eterno martírio mental. Seu corpo está presente, mas a mente permanece sempre distante e dispersa.

— Olhos na comida, Natalie.

A voz grave de John irrompe autoritária, fazendo meu estômago revirar. Engulo em seco e abaixo o olhar para o prato, mas não sem antes sentir uma pequena pontada de irritação.

— Os seus não estavam — murmuro.

De repente, o tintilar dos talheres param, e então sei que mamãe e Connor escutaram, mas, como sempre, preferem manter o silêncio. Comprimo os lábios e permaneço de cabeça baixa, desafiando em silêncio o inabalável John. Em raros momentos consigo segurar a língua, e esse é um deles.

SUA TERRA É MINHAOnde histórias criam vida. Descubra agora