17| HEREDITÁRIO

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"Você pode andar sobre a água comigo, você e eu? Porque o seu sangue está esfriando, disse o familiar, verdadeiro para a vida." — Agnes Obel (Familiar)


Vejo April despertar aos poucos, ainda meio atordoada do sono pesado que a mantinha quieta

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Vejo April despertar aos poucos, ainda meio atordoada do sono pesado que a mantinha quieta. Ela abre os olhos, mas volta a fechá-los quase no mesmo instante, rolando para o lado na cama fria do hospital.

As dores na garganta se tornaram insuportáveis horas depois que consegui acordar. Meus pensamentos me deixam inquietos e com enorme vontade de sair daquele lugar, mas apesar de meus protestos Olívia e o médico não me deram alta por causa da inflamação incomum.

Ainda estou em observação. Por mais que saiba o que me causou a maldita inflamação, não contaria nada para as pessoas do hospital. Minha sanidade sempre foi alvo de questionamento entre boa parte de Folks Village. Se falo que uma mulher enfiou a mão em minha boca e retirou uma criatura asquerosa, me deixando com a garganta muito inflamada, eles com certeza me trancariam no sanatório, que não fica muito distante do hospital.

Estico as pernas no parapeito da janela e abocanho mais uma colherada do pudim de chocolate que Olívia trouxe mais cedo. Ela disse que o havia preparado na manhã seguinte à minha convulsão e quem diria, quase morte, pois sentiu que eu estaria acordado logo cedo.

Retiro mais duas colheradas e percebo que acabei comendo tudo e não deixando nenhuma migalha para April, que sempre faz questão de comer pelo menos metade de qualquer sobremesa que esteja em minhas mãos.

Observo-a dormir relaxada e não percebo quando um pássaro negro se choca contra o vidro, quase me fazendo cair com o susto.

— Ahh!

Algumas nuances escassas de sangue e penas preenchem o vidro, enquanto ele se contorce de costas no telhado. A pobre ave consegue recuperar o equilíbrio e agita as penas, afastando alguns resquícios de umidade delas. Ergo o vidro da janela e o pássaro parece estar me fitando. Ele grasna alto e de repente abre as asas, como se estivesse marcando território.

A ave volta a agitar as asas, grasnando mais algumas vezes, e quando levanta voo libera a visão logo atrás dela, onde Natalie está sentada em um dos bancos do imenso jardim do hospital.

Ela parece sentir que está sendo observada, pois vira o corpo para trás e nossos olhares se encontram. Ela franze o cenho e faz um gesto questionador com a mão, mas apenas dou de ombros, também me perguntando o que ela estaria fazendo ali. Alguma coisa chama sua atenção e ela vira o rosto para alguém que se aproxima dela. Um homem vestido com um sobretudo preto, calças jeans e botas marrons está estendendo um copo com alguma bebida quente para Natalie. Ela sorri discretamente e aceita a bebida.

O homem se senta ao seu lado, e ela começa a falar algo para ele; percebo que está falando sobre mim quando ele acompanha o olhar dela em minha direção, mostrando-se ser Neo Duncan. Ele comprime os lábios em um semblante austero, mostrando o profundo desagrado que sempre tem ao me encontrar em algum lugar.

SUA TERRA É MINHAOnde histórias criam vida. Descubra agora