o3| O ESTRANHO E VELHO ED

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"Uma manhã, com o tempo para matar, eu peguei emprestado o rifle de Jebb e sentei numa colina. Eu vi um cavaleiro solitário atravessando a campina, eu mirei nele para praticar minha mira. O rifle do meu irmão saiu daminha mão, um tiro ecoou sobre a terra." Johnny Cash (I Hung My Head)


— Comprei um machado novo em Barry

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— Comprei um machado novo em Barry. — A voz grave de John me arranca dos devaneios. — Pode penhorar aquele e conseguir algum dinheiro.

Uma revoada de pássaros desponta do topo da imensa árvore onde estamos descansando sob sua sombra. As aves sempre estão contornando o casarão, pousando acima das calhas e telhas cobertas com algum tipo de vegetação rasteira.

Abro um refrigerante e dou dois grandes goles, sentindo a bebida gaseificada descer ardendo por minha garganta. Observo o movimento lento e manso que um nevoeiro faz ao descer da montanha, e concluo que o dia será mais frio que o normal. Ao longe, o som de um trovão ribomba pelos céus e algumas nuvens pesadas vão ganhando espaço no horizonte, tampando os fracos feixes de sol que ainda banham a floresta.

Talvez esse dia seja ótimo para escrever um pouco mais. Faz alguns meses que não produzo nada e estou sendo cobrado pelo grande Hans Sullivan, meu professor de literatura no primeiro ano da universidade. Ele acredita que estou escrevendo um livro em potencial e insiste em me manter focado, pois sabe que sou preguiçoso.

Volto a atenção para John, que já está com as mãos sujas de óleo e graxa. A nossa velha picape amarela costumava ter algum brilho, mas agora sua cor desbotada combina melhor com o lenhador da cidade.

Dou mais alguns goles no refrigerante e arremesso a lata no pequeno cesto de lixo improvisado com uma caixa de papelão, onde estão algumas ferramentas.

— Está muito velho. — Espreguiço-me e depois ajeito a jaqueta xadrez vermelha para tentar abrandar o frio. — Acho que vendê-lo é melhor. Obrigado pelo machado, pai.

Em um raro momento, ele esboça um sorriso e volta sua atenção para o capô da velha picape amarela. Mais uma vez, o motor está mais quente que o normal.

— Como está indo com Natalie? Eu soube que ela anda agitada. — Ele limpa o suor da testa com o dorso da mão e suspira. — Talvez você deva levá-la em Barry qualquer dia, passar uma semana conhecendo a cidade. Acho que vocês devem passar um tempo juntos, longe de Folks Village, para acalmar as coisas.

Olho para os próprios pés e engulo em seco, chutando uma pedrinha e a vendo rolar até o limite dos arbustos. Sem ter coragem para encará-lo, permaneço mudo.

— Filho? — Ele aguarda uma resposta.

— Tudo bem. — Enfim o encaro, tentando não parecer desconfortável. — Talvez na próxima semana, quando os dias letivos dela estiverem acabando.

John limpa as mãos lambuzadas de graxa em uma flanela vermelha e assente com um sorriso discreto nos lábios.

Não sei se os anos que passei longe amoleceram o seu coração, pois ele está agindo de modo esquisito, como se quisesse que eu não partisse outra vez.

SUA TERRA É MINHAOnde histórias criam vida. Descubra agora