"Quando estou para baixo, eu coloco minhas mãos sobre o chão. Pela milésima vez, eu mando-o entrar, sua terra é minha." — Aurora (Lucky)
O jantar é agradável. John e Gina agem como pessoas normais e parte disso me deixa feliz.
Trato de alguns arranhões que Oddy conquistou na briga e o ajudo a se livrar das nuances de lama antes que possa se sentar à mesa. Após várias tentativas de fazê-lo falar algo compreensível e tentar arrancar alguma informação sobre o motivo da briga, acabo desistindo ao vê-lo se inquietar.
Quando Oddy Speck fica muito nervoso, sua gagueira faz com que um turbilhão de palavras desconexas e repetitivas saltem de seus lábios agitados.
Ao observar melhor as mãos dele, grandes e de aparência pesada, percebo algumas marcas arroxeadas nos nós dos seus dedos, agora me fazendo pensar no quão ferrada a cara de Connor deve estar. Procuro não o deixar ainda mais agitado e me ocupo ajudando Gina a colocar a talharia na mesa. Seu cabelo loiro-acastanhado está muito bonito, caindo em leves ondulações um pouco acima dos ombros. Sinto vontade de tocá-los, assim como o vestido azul-claro que dança a cada movimento que seu corpo faz.
Uma pequena pontada de arrependimento surge ao não ter convidado Cláudia e Eveline. Elas gostariam de jantar conosco, afinal, de um dia para o outro, a aura do casarão tornou-se menos densa.
Algo está diferente, é como se meus pais se libertassem de uma grande âncora que os afundava no silêncio. Ainda um tanto acuada, permaneço a observando colocar pedaços fatiados de pêssego em calda na pequena travessa de porcelana chinesa.
— Você está muito bonita — falo, me sentindo meio estúpida e sem graça quando ela se vira de repente e me pega a observando.
Gina me surpreende com um abraço forte e aconchegante, ainda segurando a travessa com uma mão. Eu a abraço e sinto seu calor aquecer meu coração, enquanto ela afaga meus ombros e depois aperta minhas bochechas como se eu fosse uma criança. Solto uma risada abafada, constrangida, sem saber se posso exigir um pouco mais daquilo.
John irrompe pela cozinha, dispersando nosso frágil e raro momento. Eu observo suas costas largas enquanto pega a travessa das mãos da esposa, me lembrando que se não fosse pelos traços mais delicados de Gina, Connor seria uma cópia do pai.
Meu irmão e eu não somos gêmeos, mas os olhos verdes intensos e os cabelos loiro-acastanhados nos tornam quase idênticos.
Enquanto distribuo os pratos na mesa, percebo que Oddy está mais calmo. Seus lábios se curvam em uma tentativa de sorriso e ele me lança um sutil aceno com a cabeça, em forma de agradecimento.
Connor demora para descer. Quando enfim surge, exibe um semblante terrível de alguém que não dorme há dias. Algumas marcas dos punhos de Oddy já começam a surgir nas maçãs de seu rosto, alternando entre tons arroxeados e amarelados. Ele se senta ao meu lado e oscila tanto para frente que em alguns momentos tenho a impressão de que irá cair de sono na mesa.
VOCÊ ESTÁ LENDO
SUA TERRA É MINHA
Horror🍁 Livro dedicado a Jake Bugg A estranha Folks Village é uma cidade doente, e o acontece na floresta que a cerca morre ali. Rodeados por uma misteriosa névoa, as árvores se erguem como um paredão escuro e sussurrante que nenhum machado jamais ousou...