TARDE DEMAIS

Capítulo 51:

Valley

Um sorriso apertado escapa quando vejo Ness sentando com as meninas entorno da mesa. É a primeira vez que esse café da manhã vai ser diferente. Eu nunca pensei que não ver Daven seria tão estranho.

Eu estou lutando contra a vontade de ir até lá e perguntar aonde é que Daven está. Não quero parecer intrometida ou algo do tipo. Mas ao mesmo tempo eu acho que tenho o direito de saber não é? Afinal nós estamos juntos.

E apesar das coisas terem ficado estremecidas entre nós na noite passada, eu não consigo deixar de me preocupar. Eu me importo muito com o Daven, e sinto tanto por ele estar passando por um momento difícil.

Eu só queria que ele conseguisse se abrir comigo. Seria mais fácil assim. Mas sei que algumas coisas na vida são como são. Então não é como se eu pudesse interferir no que está escrito. Expiro fundo, e olho mais uma vez para eles.

É quando eu decido ir até sua mesa, que se dane meus pensamentos que estão tentando me impedir de fazer o que quero fazer. Eu preciso saber o que está acontecendo, mesmo que eu ganhe a resposta perfeita.

Abby é a primeira que me vê chegando, ela sorri para mim, e acena suas mãos para que Ness e Alisson olhem para trás. Eu continuo exibindo um sorriso apertado em meu rosto. Sei lá. Essa situação é um pouco desconfortável.

— Valley! - exclama Abby assim que eu paro ao lado da mesa.

— Oi menina bonita. - uso minha mão para acariciar seus cabelos loiros.

Ela se encolhe, e agita as mãos em cima da mesa.
— Tio Ness está cuidando da gente.

— Eu percebi. - olho para ele na mesma hora que suas sobrancelhas se unem. — Onde está Daven?

Ele puxa um pouco da gola da sua camisa. Mas antes que consiga me responder, Alisson pousa seu copo com suco em cima da mesa, e sorri exibindo seus dentes manchados de uvas.
— Meu pai voltou para casa. - conta ela.

Meus olhos se esticam, e eu apoio minha mão na mesa quando sinto uma leve tontura. De repente tudo parece rodar na minha frente. Céus.
O que está acontecendo?
— Ei, Valley. Está tudo bem? - pergunta Ness colocando suas mãos em minhas costas. Ele me segura.

Fecho meus olhos com força, e começo a respirar fundo. Balanço minha cabeça freneticamente quando começo a abrir meus olhos, e me dou conto do que acabou de acontecer.
— Sinto muito. - me desculpo, mas não sei exatamente o porquê. — Acho que minha pressão deve ter caído um pouco. - apoio minhas mãos na cabeça, e faço uma careta. Há uma dor latejando lá dentro.

Ness puxa sua cadeira para trás, e me carrega até ela.
— Vem cá, se sente aqui.
 
Eu desabo na madeira, e olho pra baixo apenas para evitar olhar para o rosto assustado de Abby, não quero que ache que eu estou realmente mal.
— O que foi isso? - pergunta Ness, parado na nossa frente. — De repente você ficou bamba.

— Parecia que você ia cair Valley. - acrescenta Alisson.

— Já passou gente. – digo quando me levanto e todos me olham com bastante atenção. Eu sorrio quando vejo seus olhares apreensivos. — Estou melhor. É sério.

Ness me encara com desconfiança, mas não leva isso adiante.
— Tá bem, se você diz.

Sorrio, e decido voltar para o assunto que não foi terminado por causa da minha tontura inesperada.
— Então... Daven foi embora mesmo?

Meu peito aperta quando penso que ele não se deu o trabalho de ir até meu quarto para se despedir. Ele não precisava ficar. Podia só ter acenado para mim. Mas ele se foi e eu nem o vi partindo.

— Não para sempre. - diz Abby agitando a cabeça.

Eu sorrio olhando para ela, e depois viro para Ness.
— Ele foi resolver alguns problemas no escritório. Vai estar de volta amanhã.

— Só amanhã? - me pego perguntando.
Céus.
Eu não vou vê-lo por mais um dia?

Ness assente, e leva um copo com água até a boca. Mas antes de tomar um gole, ele responde:
— Exatamente.

Oh.
Meu estômago contorce.

                    ~*~*~*~

Parece que sem Daven essa pousada fica sem graça. Eu estou há quase uma hora atrás desse balcão, apenas olhando para o nada, e pensando sobre o que ele deve estar fazendo em Austin. De repente eu começo a imaginar se ele tivesse me levado com ele. Eu iria adorar conhecer sua casa, seu trabalho. Experimentar um pouquinho de como é sua vida por lá.

Brigo comigo quando meus olhos escapam para o relógio preso na parede. Eu estou tentando não olhá-lo. Mas parece que tem um ímã lá. Eu não consigo parar de contar. Falta uma noite inteira até que ele chegue. Embora Ness não tenha me dito se ele vem pela manhã ou pela tarde. Eu espero que não demore muito.

Não sei como vai ser quando ele chegar. Eu queria poder correr para seus braços. Mas não sei como ele irá reagir. É tão difícil isso. Relacionamentos podiam ser menos complicados.
Eu iria adorar.

— Viajando no mundo da lua? - escuto uma voz ao longe. Demora um pouco para meus pensamentos irem embora, e eu voltar para realidade.

Quando olho para porta vejo meu pai limpando os sapatos antes de entrar. Me afasto do balcão, e vou até ele.
— Não tanto como eu gostaria. - brinco, e jogo meus braços envolta do seu pescoço.

Ele sorri para mim, e enlaça minha cintura com seus braços. Meu pai tem cheiro de casa, não sei, é como se ele tivesse se esfregado contra algum carvalho. Eu gosto, a propósito.

— Como você está se sentindo? - pergunta ele, e eu dou um passo para trás.

— Eu estou bem, eu já disse.

Ele me encara com desdém, e eu apenas reviro meus olhos. Depois daquele episódio de tontura no café da manhã, Abby saiu espalhando por aí que eu quase cai no chão. Exagero certo? Mas acabou que meus pais ouviram, e ficaram super preocupados. Típico de pais, não é?
Só que às vezes isso irrita. E me faz sentir como se eu fosse uma criança recém nascida.

— Ótimo, - sorri ele, mostrando seus dentes desalinhados. — Então você pode me ajudar a carregar os lírios que eu colhi lá fora.

Não precisa pedir duas vezes. Ele sabe que eu nunca recusaria um pedido quando se trata do nosso jardim. Todos sabem que a natureza é como uma terapia pra mim.