Capítulo 10:

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Daven

Balanço minha cabeça quando um sorriso insiste em brincar em meus lábios. Não estou conseguindo evitá-lo desde que dei minhas costas para Valley, e comecei a subir para meu quarto. O que foi aquela escapada para trás do balcão?

Nenhuma garota fugiu assim de mim antes como ela fez agora. O que há? Ela sabe que eu não mordo. Mas pensando bem eu entendo a sua preocupação de estar muito perto. Deve ser por causa daquele cara que estava com ela ontem, no café da manhã.

Eu pensei que não ia conseguir fazer, mas consegui evitar... Mas sinceramente o que eu queria mesmo era ter perguntado. Será que ela está há muito tempo com esse cara?
Será que planejam se casarem?
Eu sei que não tenho direito de saber essas coisas, mas de uns dias para cá eu tenho sentindo uma necessidade irreconhecível de saber mais sobre ela.
Tudo que ela esconde.

Mas eu sei que se Valley compartilhar sua história comigo, ela provavelmente vai querer que eu faça o mesmo. Mas isto está longe de acontecer. E não é porque eu não quero que ela saiba sobre minha vida, é porque eu não quero que ela se envolva em minha bagunça.
Ninguém merece estar dentro disso.

Aperto a campainha do quarto assim que paro na frente da porta. Começo a encarar parede amarela enquanto espero. Logo um sorriso enche meus lábios quando escuto pequenos passos se aproximando da porta.
Só então eu escuto a voz suave de Allison.
— Quem é?

Bato na madeira duas vezes, e respondo:
— É o papai, filha.

Rapidamente a porta destrava, e a maçaneta se move pra baixo quando eu ganho passagem para o quarto.
Meus olhos se agitam quando vejo que o outro lado está escuro. Minha testa franzi antes que eu perceba.
— Porque vocês estão com as luzes apagadas? - pergunto quando entro em nosso quarto. Aliás, não vejo Abby em nenhum parte.
— Cadê sua irmã?

Alisson fecha a porta, e se escora sobre ela. Não consigo ver seu rosto. Mas acredito que ela esteja tramando algum jogo para cima de mim.

Começo a caminhar pelo quarto, e chamo pela Abby. Mas ninguém responde. Volto para porta, e estico meu braço até o interruptor fixo na parede. É quando o quarto se enche de luz, e eu consigo ver tudo mais claro.

— Ah! Pai. Assim você estraga a brincadeira. - resmunga Alisson voltando para sua cama.

— Sinto muito, mas eu já estava pirando. Você sabe que eu não gosto dessas brincadeiras no escuro. Você não se esqueceu daquela última vez não é?

Ally joga seus cabelos brilhantes para as costas. E me encara como se eu fosse culpado.
— Se você tivesse sido mais cuidadoso naquela vez, talvez não tivesse tropeçado nas pernas da sua própria filha.

Pouso minhas mãos na cintura, e olho perplexo para ela. Desde quando ela tem direito de chamar minha atenção?
— Claro, mas isso só aconteceu porque "minha filha" - faço aspas com minhas mãos, para me referir exatamente à ela. — Achou que se esconder embaixo da minha cama, com metade das suas pernas para fora, não fosse me fazer esbarrar nelas. 

Ela bufa, e toda vez que faz isso eu só consigo lembrar da sua mãe. Alda costumava bufar sempre quando não ficava contente com alguma coisa que eu falava ou fazia para lhe contrariar. Não posso dizer que eu não vivi bons momentos com ela, mas também não consigo entender porque que ela jogou esses momentos fora por causa de outro homem.

— Tudo bem, - Ally se rende. — Eu fui infeliz na escolha do meu esconderijo. Mas isso não justifica que você deve deixar a luz acesa para encontrar a Abby. Vamos lá pai, vamos brincar só mais uma vez.

Merda.
Eu não sei resistir aos pedidos dela. Recuo alguns passos, e aperto no interruptor mais uma vez. E quando o quarto fica escuro novamente, eu escuto um espirro familiar que me diz exatamente onde eu devo ir encontrá-lo.

Alisson começa a se agitar na cama quando percebe que estou indo na direção da varanda. Eu não estou acreditando que ela manteve sua irmã lá fora, todo esse tempo por causa dessa maldita brincadeira de se esconder.
Empurro as portas de vidro para os lados, e meu rosto é atingido por uma forte lufada de ar gelado. Olho para baixo e vejo Abby encolhida no canto da pequena área.

— Tá frio aqui fora papai. - murmura ela, tremendo com os braços envolta das pernas.

Rapidamente eu a pego no colo, e a levo de volta para dentro do quarto. Lanço um olhar fuzilante para Alisson, ela se encolhe, e logo começa a disfarçar. Sigo para minha cama, e coloco Abby embaixo das cobertas. Espero que ela não pegue nenhum resfriado por ter ficado não sei quanto tempo exposta a mudança do clima.

                    ~*~*~*~

Como se eu tivesse previsto, acordo no meio da noite quando escuto alguns gemidos. Estico minha mão para o lado, e cubro a testa de Abby.
Era só o que faltava.

Puxo o cobertor para fora das minhas pernas. E saio da cama para ligar a luz do quarto. Abby resmunga mais. Ela está febril.
Porra.
E suas bochechas estão começando a ficar vermelhas.

Vou até minhas malas, e começo a vasculhar meu estojo de primeiros socorros. Eu me lembro de ter colocado alguns comprimidos, sprays, curativos e um termômetro digital. Assim que encontro o aparelhinho, eu volto para cama e puxo o braço de Abby pra cima. Ela faz uma careta, e começa a gemer novamente.

— Aguarde um pouquinho. Papai só quer te ajudar.

Baixo o braço dela, e mantenho imóvel enquanto o termômetro colhe sua temperatura. Se tem uma coisa que eu não suporto nessa vida é ver minhas filhas com dor. Se existisse alguma maneira de eu ficar doente no lugar delas, eu prontamente ficaria todas as vezes.

Olho para o outro lado, e vejo Alisson dormindo em completa paz. Amanhã nós vamos ter uma conversa sobre essas ideias malucas que ela inventa para suas brincadeiras. O aparelho começa a bipar lentamente, e eu o puxo para fora da axila de Abby.
Meus olhos não gostam nada do que veem.
É febre alta.

Alda sempre sabia o que fazer nesses momentos. Eu sempre era o seu ajudante. Mas desde que ela se foi, sou eu quem vem tomando as rédeas sobre tudo que envolve nossas filhas. Pego meu celular e pesquiso no Google alguns métodos caseiros para baixar a febre.
Bom.
Leio tudo que aparece: banho, tirar o excesso de roupas, colocar algodão com álcool embaixo dos braços, pano umedecido com água quente na testa, chá... São inúmeras as respostas que tenho. Então eu decido começar pela mais prática.

Seguro minha filha em meu peito, balançando-a para trás e para frente. Não tenho como ir até seu pediatra, então eu tento acalmá-la do meu jeito. É difícil estar fazendo isso sozinho. Especialmente em dias como esses. É durante esses episódios que eu sinto falta de uma parceira. Alguém para estar do meu lado como Alda estivera um dia.

— Como que ela está indo? - pergunta Alisson despertando do seu sono. Não sei como ela rapidamente percebeu que sua irmã estava tendo problemas. — Você quer que eu pegue um copo com água?

— Vou querer sim, e pegue o vidrinho que está dentro desse estojo que deixei aí em cima. - aponto para o local onde está nossas bagagens. — Está escrito paracetamol. Vou dar algumas gotas para ela.

— Ok. - responde ela, descendo da cama.

Embora Alisson esteja sendo prestativa, eu não posso deixar de ficar chateado com ela por causa da sua brincadeira. Olha no que deu isso. É duas horas da manhã, e estamos todos acordados.
Começo a respirar com dificuldade.

Pego o copo de água, e o remédio das mãos dela. Ajeito Abby no meu colo, e começo a chamá-la. Ela continua com os olhos fechados, e eu aproveito que seus lábios entreabriram para pingar algumas gotas do antitérmico em sua língua. Mesmo dormindo ela faz uma careta feia, e começa a mover os lábios como se tivesse mastigando alguma coisa não muito saborosa.

Dou um demorado beijo em sua testa febril.
— Vai ficar tudo bem Abby. Amanhã você vai acordar muito melhor do que está agora. - sussurro para ela em seu sono.

Alisson me dá um sorriso, e acaricia os cabelos da sua irmã.

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