Capítulo 64:

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Daven

— No jardim de infância eu brinco só com as meninas. Os meninos não devem estar lá. - diz Abby depois de me contar sobre como foi seu dia na escola.

Eu pensei que sua volta para creche seria difícil, mas ela me surpreendeu quando pegou a mão da sua professora e desejou-me "bom trabalho papai" antes de entrar para sala de aula sorrindo como uma pequena estrela saltitante.
Eu sempre rezo para que seus dias sejam perfeitos, e para que ela se distraia dos últimos acontecimentos. Ainda bem que tudo está indo bem na escola, sabe como eu sei disso? porque sempre quando vou buscá-la, ela nunca quer vir embora.

— Posso saber o que você tem contra os garotos? - pergunto fingindo que estou ofendido. Afinal. Eu sou um.

Ela solta seus brinquedos em cima da mesinha, e pula no sofá se aconchegando ao meu lado.
— Eles são chatos, e briguentos.

Sorrio quando ela cruza os braços, e faz um beiço.
— Todos eles? - instigo. — Tem certeza de que não têm algum que se salva?

Ela coloca o dedo indicador na testa parecendo pensar em uma resposta.
— Acho que não. Mas eu prefiro as garotas.

Olho para sua expressão confusamente adorável, e sorrio quando lembro de uma história que ela me contou na outra noite.
— Então isso significa que acabou aquela ideia de você encontrar um príncipe certo?

Suas bochechas ficam um pouco vermelha.
— Papai, - ela fica de joelhos no sofá, e coloca suas mãos em meu rosto. Abby sempre faz isso quando quer ter certeza de que toda minha atenção é sua. — Eu posso encontrar um príncipe algum dia, mas você será sempre o meu rei.

Porra.
Eu invejo esse dom. Essa capacidade que ela tem de fazer meu coração pular até a lua.
— Você não sabe o quanto eu te amo Abby, - declaro sentindo-me totalmente irradiado. — Tudo em você. Seus olhos verdes. Sua cabeça loira. Sua personalidade forte, sua inteligência e até essa sua teimosia.

Ela ri com minhas declarações, mas antes que pudéssemos fazer qualquer outra coisa, a campainha toca. Meus olhos apertam, e ela solta do meu colo e corre na direção da porta. Esfrego meu rosto, e levanto do sofá também. Não consigo imaginar quem pode estar lá fora. Alisson ainda está na escola, e nós dificilmente recebemos visitas desde que Alda não mora mais aqui.

Meu cenho franze no caminho para porta, e minha pergunta ganha resposta quando vejo Abby pendurada no colo do meu melhor amigo, e colega de trabalho.

— Ness? - pergunto um pouco surpreso pela sua visita. Ele não deveria estar em Lewiston?

Abby brinca com seu cabelos, e ele sorri para ela antes de virar para mim. Sua expressão feliz rapidamente muda.
— E aí cara, eu... Bem, eu tenho que falar com você.

Não gosto do seu tom. Não parece que virá algo bom. Seja o que for que ele queira falar, eu vou escutar... Mas se for alguma coisa que ele trouxe da sua viagem, isso, eu não quero saber.

Olho para minha filha.
— Abby por que você não volta a montar seu castelo de lego? Papai precisa conversar com Ness.

Ela continua brincando com os cachos dele, e apenas dá uma olhada rápida para mim.
— Mas eu quero ficar com vocês. Eu juro que não vou atrapalhar.

Fecho meus olhos, e penso por um momento sobre como vou fazê-la mudar de ideia.
— Abby. - chamo, mas Ness me interrompe quando levanta a mão para mim, e dirige sua atenção para minha filha.

— Vamos fazer assim. Eu falo com seu pai, e depois eu ajudo você a montar um castelo gigante. O que acha?

Os olhos de Abby crescem mais. E ela levanta os braços para comemorar.
— Podemos montar agora?

Ness balança a cabeça negando, eu deixo escapar um sorriso.
— Primeiro eu vou conversar com seu pai.

Ela deixa seus ombros caírem. E faz uma careta triste. Eu no lugar de Ness já tinha cedido. Mas ele continua firme na sua combinação e Abby acaba desistindo. Ela desce do seu colo, e volta para sua brincadeira na sala.

Eu olho para trás apenas para verificar se realmente estamos sozinhos, e desde que percebo que sim, eu volto a olhar para frente e fito um par de olhos aflitos.

— Aconteceu alguma coisa? - é a primeira coisa que pergunto. Sua presença em minha casa é tão inesperada quando a ideia de que ele esteja escondendo alguma coisa de mim. Ness nunca foi assim. Nós nunca escondemos coisas um do outro.

Ele faz um sinal me chamando para mais perto, e nós dois acabamos saindo para varanda. Eu encosto a porta atrás de mim, e levanto minhas sobrancelhas.
— Vamos lá. Desembuche. Diga alguma coisa.

Ness dá um pequeno giro pela varanda, e apoia suas mãos na cintura.
— Eu vou direto ao assunto. É Valley.

Eu sabia.
Porra.
Lá no fundo eu sabia.
Meu coração pesa em meu peito.
— Merda Ness, eu já disse que não quero saber sobre ela.

Ele joga os braços pra cima.
— Como você pode dizer isso? Você cansou de me dizer que estava apaixonado.

— Sim, eu fiz isso. Mas foi antes, antes dela me deixar decepcionado. Não quero saber se ela está feliz, ou infeliz. Não quero escutar nada do que você tenha para me falar.

— Deixe de ser criança Daven. Aja como um homem e enfrente seus problemas! - grita Ness, e é a primeira vez que ele se altera comigo.

Fico de queixo caído.
— Hã... - tento buscar palavras em minha cabeça, mas não encontro nada, nada além de confusão e surpresa. Eu nunca vi meu amigo tão irritado assim. O que foi que eu fiz?

Olho para ele seriamente.
— Existe alguma coisa acontecendo com você? Porque está tão bravo? Valley não é seu assunto. Essa coisa mau resolvida entre ela e eu, não é sobre você.

— E eu não sei? Só estou querendo ajudar.

Estou farto de palavras vazias, palavras sem sentidos.
— Porque? - indago, eu preciso de diálogo, de conversa com significado.

— Eu acho que isso você tem que perguntar para ela.

Agito minha cabeça, e lhe dou um sorriso cheio de desdém.
— Eu não vou voltar para Lewiston.

Ness bufa, e olha para trás. Meus olhos instintivamente segue seu olhar.
Porra.
Porra.
Porra.

Eu não estou acreditando no que estou vendo através do vidro do seu carro.
Viro para ele, e minhas palavras escapam furiosas: — Você trouxe a Valley, porra?

Ele dá um passo para frente, e pousa sua mão em meu ombro. Não sei porque mas seu toque consegue me abalar.
— Eu já lhe disse isso uma vez, Daven. A escolha é sempre sua: ou você volta pra trás e se rende, ou você empurra pra cima e supera tudo isso.

Sem mais palavras, ele se afasta e entra na minha casa. Quando escuto o barulho da porta fechando, eu já sei exatamente o que significa. Levanto meu rosto, e olho na direção do fiat prateado parado na frente do meu portão. Meus olhos rapidamente encontram um par de olhos apreensivos, e saudosos. Não posso deixar de sentir meu peito rachando.

Tomando um pouco de coragem, eu desço os degraus da varanda, e sigo andando pelo gramado torcendo para que o tempo se arraste até eu chegar no carro. É cedo demais para reencontrar Valley. Eu ainda estou lutando para deixar de amá-la.

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