Capítulo 24:

3.1K 280 24
                                    

Daven

— Nós não vamos para o café da manhã hoje. - aviso quando Alisson começa a separar sua roupa para o dia.

— Não? - indaga ela, olhando para mim por cima do seu ombro.

Aponto para o meu lado da cama.
— Sua irmã ainda está dormindo. E eu não vou acordá-la só para descer pro café.

Aliás eu nem sequer deveria estar acordado também. Ontem foi um inferno para dormir. Não consegui fechar meus olhos depois que sai do quarto de Valley.
Já sei que meu humor vai ficar péssimo o dia todo.

— Mas eu posso ir não é? Estou com fome.

Esfrego meu rosto sentindo a frustração de ontem voltar com mais força.
— É melhor você ficar também. - aviso, e respiro fundo. — Nós vamos comer fora.

— Porque isso agora? Nós sempre comemos aqui pai.

Eu não vou dizer à ela. Mas a verdade é que eu não quero ver Valley. Pode parece infantil da minha parte. Mas eu preciso de um tempo.
Um tempo longe dela.

— Porque eu estou cansado, e porque eu sou seu pai e você deve me escutar.

Ontem foi um turbilhão de emoção para mim. Eu não estava preparado para ver minhas filhas aflitas para saber o que aconteceu com sua mãe. Eu não vim para essa pousada por esse motivo. E estou muito puto que Valley instigou esse assunto.
Porra.
Ela não tinha nada melhor para fazer?

— Que droga. - bufa ela, soltando suas roupas na mala. — Não vejo a hora de ficar mais velha.

Reviro meus olhos, e volto a descansar minha cabeça no travesseiro. Abby só respira ao meu lado. Ela foi dormir tão tarde nessa madrugada. Aposto que vai acordar além do horário.

Alisson se deita de volta em sua cama, e pega seu tablet.
— Quando você decidir que é hora da gente comer, me avisa.

Não posso deixar de sorrir. Essa menina me incha. Não é possível que seja minha filha.
— Quanto drama Alisson.

Ela puxa a coberta por cima da cabeça. E eu não consigo mais vê-la. Olha... Às vezes parece que ela está perdendo a idade ao invés de ganhando anos.
Fecho meus olhos, e tento não pensar nos últimos acontecimentos.
Mas é difícil.
É o que mais está ganhando força na minha mente.

                     ~*~*~*~

Duas horas depois nós três estamos saindo do quarto. Abby está com uma cara de sono, e Alisson está subindo pelas paredes de tanta fome.
Não sei como é que pode.
Agora são quase dez horas da manhã, e se nós estivéssemos em casa, exatamente nesse momento, provavelmente estaríamos nos sentando entorno da mesa.
Então essa fome toda é só porque ela está se acostumando mal com a rotina dessa pousada.

Fecho a porta do quarto, e guardo o cartão no bolso de trás da minha calça. Alisson caminha em nossa frente, e eu aproveito e pego a mão de Abby quando descemos a escada. Ela insistiu em trazer seu ursinho sem um braço, mesmo quando eu disse que ela teria que segurá-lo todo o tempo em que estivermos fora.

Mas ela sabe melhor do que ninguém que eu vou acabar carregando-o para ela de qualquer forma. Abby boceja no meio do caminho, e eu acabo fazendo o mesmo quando olho para ela. Olho pra frente e vejo os cabelos de Alisson voarem soltos pelas suas costas quando ela desce os degraus com bastante pressa.

Quando aterrizamos no saguão eu agradeço mentalmente por Valley não estar atrás do balcão. Ninguém está. E isso me deixa ainda mais aliviado. Não estou preparado para ver qualquer emoção brilhar em seu rosto. Abby solta minha mão para acompanhar os passos de Alisson, eu sigo mais atrás, apenas assistindo-as se moverem em uma sintonia quase perfeita.

No começo eu não queria outro filho. Eu cheguei a brigar com Alda por causa disso. Mas agora eu agradeço por ela não ter me ouvido. Eu não sei como eu poderia viver sem Abby. Sem as duas. Tudo que eu faço é por elas. Tudo que sou é graças à elas. Se tem uma coisa que eu não me arrependo do meu relacionamento com Alda, é ter tido essas duas meninas. Elas são minha vida.

— Valley! - grita Abby, e todo meu corpo congela.
Porra.
Não é possível que ela esteja lá fora.
A ideia de vê-la novamente me aterroriza.

Abby dispara correndo quando atravessa a porta. E Alisson olha para mim, e dá de ombros.
Ela não sabe do que aconteceu ontem à noite, mas parece que captou tudo.
Esfrego meu rosto quando sinto adrenalina subindo pelas minhas veias.
Logo eu estou fora da porta, e a cena que eu vejo é de Valley com minha filha no colo. Ela não me olha de prontidão, e nem sei se vai fazer isso. Mas eu não me importo. É melhor assim.

— Nós vamos nos atrasar Abby. - é o que eu digo quando paro há alguns passos atrás delas.

O clima está morno aqui fora, e uma brisa macia goteja através das árvores. Eu não consigo forçar meu corpo a não ficar em alerta na presença dela. Porque ele já está. E não é como se eu pudesse mudá-lo.

— Você quer vir junto com a gente Valley? - pergunta Abby, e neste momento eu queria ser capaz de poder trancá-la em seu quarto.
Porque ela tem que ser tão pegajosa com essa mulher?
Não é que eu não goste da forma como elas se tratam. Mas faz parecer que tudo tem que girar em torno de Valley.

— Não sei se é uma boa ideia, menina bonita. - sua voz não soa com muita emoção. E ela rapidamente coloca minha filha no chão.

— Não é. - faço questão de deixar claro. E não é porque eu quero ser estupido com ela. É porque eu não vou ser capaz de ficar à vontade com ela por perto. 

Ela me fita receosa, e eu começo a sentir algumas gotas de suor escorrer da minha testa para o canto dos meus olhos. Eu já estava imaginando que vê-la depois da nossa discussão de ontem seria muito difícil. Mas eu não imaginava que meu coração ficaria tão abalado.

Ela começa a mordiscar seu lábio inferior enquanto parece pensar no que tem para me dizer. Eu fico apenas parado tentando relaxar meus ombros duros. Mas não consigo.
— Eu pensei que pudesse falar com você. - seu tom de voz soa como se ela estivesse preocupada, tensa.

Meus olhos cintilam sobre seu rosto ruborizado antes de se acomodar em seus olhos. Eles parecem distantes, perdidos e tristes hoje.
Eu sei que ela pode estar arrependia. Sei que sua intenção pode não ter sido maldosa.
Mas eu não quero ter essa conversa hoje.
Talvez eu nunca queira voltar a falar.
— Não há nenhuma necessidade para isso. - passo o peso do meu corpo de uma perna para outra.

Ela pisca aturdida, e olha para baixo.
— Eu te entendo. - um suspiro escapa dos seus lábios. — Nos vemos por aí então.

Assinto com uma pontada de incerteza. E ela acena para minhas filhas, e passa por mim em silêncio quando entra na casa.
Minha garganta se aperta em um nó quando eu vejo lágrimas brotando no canto dos seus olhos. E eu sinto vontade de chamá-la de volta.
Porra.
Porque eu tenho que me importar tanto?

— Vamos meninas. - forço um sorriso. Ainda bem que elas não ligam para isso.
Quando estamos na rua, eu aproveito e dou uma olhada para casa. E meu peito fica pesado em resposta.

Talvez eu tenha exagerado com Valley.

TARDE DEMAIS Onde histórias criam vida. Descubra agora