Capítulo 34 • the end.

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POV Karla Estrabão

Flashback

Quando eu era criança, a ingenuidade e a felicidade nas coisas mais simples, era tudo que eu precisava — ou tudo que acreditava precisar —. Eu não me importava em ganhar doações que me mantinham viva, não ligava para as piadinhas vindas de outras crianças. Se eu estava bem, nada poderia me derrubar. Nem a coisa mais cruel, poderia desmanchar o sorriso de uma criança completa.

Eu tinha um irmão, Joshua, e um pai amoroso que fazia de tudo para que nós não passassemos necessidades. Minha mãe? Bem, nunca vi o rosto dela. Mas eu realmente não me importava com isso. Não me importava com as falas constantes de "eu sinto muito" ou "pobrezinha". Acho que quando se é criança, você não consegue enxergar as entre linhas… nem mesmo se tentam te explicar isso. Minha mãe era uma viciada em cocaína, álcool, LSD e todas essas merdas que te tornam uma pessoa inválida. Ela havia nos deixado. Para ser sincera, não sei se um dia ela esteve lá, para poder ir embora. Mas o sorrisinho banguela de Josh, seus cabelos pretos enroladinhos e sua pele morena. Aquele ar infantil, as piadas de quem não via maldade em nada. Ele me fazia feliz, me fazia sentir completa e a pessoa mais feliz do mundo… ainda que eu não tivesse nada.

A tarde estava quente, o sol brilhando em cima do céu enquanto Josh corria para um lado e para o outro no nosso jardim limitado. Perdi a conta de quantas vezes ele me chamou para brincar com ele. Os pés morenos estavam manchados de respingos de lama, devido ao fato que noite passada havia chovido, mas eu fiquei ali sentada, olhando meu caçula se divertir. Aquela semana estava sendo especialmente difícil. Meu pai não havia conseguido doações da igreja, e nenhum de nossos conhecidos teriam compaixão o bastante para nos ajudar com isso, então, nós estávamos em um dos momentos mais difíceis de nossas vidas. A sopa vinha sendo mais rala e escassa, as refeições haviam diminuído de proporção.

Eu sei bem o que devem achar do meu pai, devem o achar um desocupado, preguiçoso, que não faz nada para mudar a sua vida. A verdade é que ele não podia. Ele não podia arrumar um emprego, pelo fato de que todo seu tempo havia sido destinado a nós dois. Ele já havia tentado algumas vezes, arrumar empregos temporários, como vender doces ou trabalhar para alguém. Mas, além de que o que ele recebia era uma miséria, ele passava o dia todo na rua e eu era totalmente incapaz de cuidar de mim mesma e do meu irmão. Então, ele parou. Parou pelo menos até nós dois ficarmos mais velhos, velhos o bastante para ficarmos em casa sozinhos.

Depois de assistir Josh se sentar no chão sujo de lama, ofegante e cansado pela correria, levantei para entrar em casa por alguns minutos. A casa não era grande, tão pouco tinha luxos. Em segundos, cheguei a cozinha, onde tomei uma dose de água. Eu estava prestes a encher o copo novamente, quando um sussurro baixo chamou minha atenção.

—Pai? — perguntei de cara. Eu sabia que era ele.

Cruzei a parede azul da cozinha, chegando a nossa pequena sala de estar. Sentado em um sofa pequeno e cor marrom, meu pai estava deitado, com um dos braços sobre os olhos enquanto sua respiração estava irregular. Ele estava chorando. Ver aquilo apertou meu coração, me fez pela primeira vez estar realmente triste e preocupada com o rumo que minha vida levava.

—Pai, você…

Antes de eu ao menos terminar minha frase, o homem um pouco rechonchudo se sentou no sofa e olhou para o móvel onde deveria ter uma televisão. Ele precisou parecer muito concentrado em algo naquele móvel, para nem ao menos dirigir uma palavra para mim.

—Tudo bem?

Ele normalmente não era daquela forma. Era um homem feliz, abundante em piadinhas e brincadeiras. Vê-lo daquela forma partiria qualquer coração.

The CampOnde histórias criam vida. Descubra agora