Capitulo 32

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Olhei para a escada e em seguida andei novamente até Julian, precisava contar a ele o que havia descoberto.
— Descobri uma coisa que vai nos ajudar muito — falei enquanto o puxava pelo ombro.
— Me deixe trabalhar em paz, ou quer me matar também?
— Cale essa boca, idiota. Eu não sei o quê você acha que eu fiz mas eu não fiz.
— Eu vi.
— Que diabos você viu?
— Você — Julian aproximou se um pouco mais de mim para que pudesse me contar sem que ninguém ouvisse — Eu vi você na cozinha ao lado do corpo morto.
— Isso é mentira... nos dois saímos juntos de lá. Você viu.
— Sim, mas depois te vi passando no corredor. Quando decidi ver o que você tinha ido fazer, te encontrei na cozinha agachado ao lado do corpo encarando a faca no olho daquele cara. Você me olhou, passou por mim sem nem ao menos dizer nada e voltou ao dormitório.
— Impossível isso, eu fui dormir, tenho certeza. E eu não mataria ninguém, deve haver alguma explicação para isso.
— Todo mundo pode matar se quiser, eu não ligo para aquele gordo idiota. Mas você devia ter me dito que mataria ele ou algo assim.

— Caralho, eu estou falando russo por acaso?
— Ah que bonitinho, aprendeu a xingar.
— Eu não matei, porra. Agora cale essa sua boca maldita e me escute. Sabe a Vanda?
— A garota que estava na cozinha?
— Sim.
— O quê tem ela?
— Ela acabou de me dizer que nao estamos doentes, aquilo que eles nos dão não passam de balas idiotas.
— É você acreditou nela?
— Ela pareceu dizer a verdade.
— É como ela pode saber disso, sua anta?
— Bom... é mesmo — entrei em contradição comigo mesmo — como será que ela descobriu uma informação tão importante. Volto já.

Fiz todo o percurso de volta a Vanda.

— Como você sabe?
— Sabe o que? — Ela respondeu após olhar para ambos os lados.
— Que o remédio é falso.
— O cara que vocês mataram me contou isso uma vez. O idiota queria que eu fosse embora com ele e então me disse que tudo não passava de uma armação.
— Isso é verdade?
— Acredite se quiser.
— Grossa dos infernos.

Eu sempre fui uma criança muito bem educada pelos pais, aprendi desde cedo a respeitar e a nunca falar palavrões. Mas os tempos eram outros e xingar a cada minuto parecia amenizar o peso de toda aquela situação caótica. Voltei até Julian e lhe contei o que Vanda havia me dito.

— E você acredita nela? — me perguntou.
— De certa forma sim.
— Se for mentira podemos acabar morrendo. Sabia?
— Prefere passar sua vida aqui? Você é uma criança como eu Julian. Pense nas coisas que está perdendo lá fora. Você já carinhou um porquinho?
— Um porquinho?
— Sim, são fofinhos e ficam rolando quando recebem carinho.
— Sim, já fiz carinho em um porquinho.
— Sério?
— Sim, entre os dentes. Uma delícia, o porco nunca vai esquecer aquele carinho.
— Você é um monstro.
— Na sua fazenda tem muitos porcos, Ethan?
— Fique longe dos meus porquinhos, quando chegarmos lá eu vou me certificar de que você não os machuque.
— Bom, Bom. Agora que eu sei que não tem nada me atrapalhando, vou colocar meu plano de fuga em pratica. — Julian pareceu confiante.
— Você já tem um?
— Estou pensando em fugir a muito tempo então é claro que eu tenho um plano. E adivinha? Eu só  precisava de duas coisas.
— O quê?
— Os remédios, que agora sei que são falsos e um novato — ele me encarou sorrindo.

E então quatro dias se passaram, quatro longos dias desde que Julian havia me contado todos os detalhes de seu plano que possuía grandes chances de dar errado. Nesse tempo o trabalho foi duplicado, assim como nossa fome devido ao fato de não estarem nos alimentando direito.
Cassandra ficou fora de seus negócios clandestinos por algum tempo e Peter foi o escolhido para administrar todo o trabalho que fazíamos para eles.
— Como já sabem — disse ele andando de um lado para o outro. Estávamos enfileirados em um pátio e havíamos acabado de sair do refeitório - Cassandra ainda não voltou e isso é graças a vocês, pivetes malditos. Mataram Hiveh e ela teve que cuidar para que a polícia não descubra. E caso descubra, deixe passar despercebido, esse é o poder do dinheiro caros órfãos. Ele compra tudo, até mesmo o silêncio de alguns agentes da lei.

Comecei a rir de leve enquanto ele falava e em seguida tornei minha risada intensa, atraindo a atenção das outras crianças e até mesmo de Peter.
— Garoto maldito, do que está rindo? Tem algum problema mental?
— Tenho, o mesmo problema mental da sua mãe. Devo ter pegado dela quando estávamos na cama ontem a noite — falei sem balbuciar e aquilo fez metade das crianças rirem.
— Calem a boca — ele gritou enquanto andava rápido até mim, abrindo caminho entre as crianças que estavam na minha frente — então o novato se acha muito engraçado não é mesmo — Peter segurou minha cabeça para que meus olhos ficassem fixos aos seus.
— Não tão engraçado quanto o corno do seu pai.
— Vou lhe ensinar a ter bons modos — ele levantou a mão direita e cerrou o punho na intenção de me dar um soco com toda a dua força.
— Não! — gritou Julian fazendo Peter interromper sua ação.
— Quem disse isso? — perguntou enquanto fitava as crianças ao redor.
— Eu — Julian levantou a mão enquanto aproximava-se.
— E quem você pensa que é para me dar ordens? Quer apanhar junto?
— Senhor, se machuca-lo, Cassandra irá lhe punir severamente. Estou pensando no seu bem e não nesse cão imundo. Além do mais, depois de puni-lo ela também irá castigar as demais crianças para elas não se comportem esse menino ai. No fim das contas todos seremos punidos por conta desse idiota com problemas mentais.
— Você argumenta muito bem para uma criança.
— Só não quero me dar mal por causa desse verme ai. O castigue de alguma outra maneira, por exemplo, capinando todos os matos ao redor do orfanato.

Peter me encarou, ainda com o punho cerrado e em seguida me empurrou no chão.
— Vai capinar até seus ossos doerem, isso se não for picado por algum inseto e acabar morrendo.
— Isso — disse Julian — é o que esse verme insolente merece.
— E você vai capinar com ele pra aprender a não se intrometer nos meus assuntos, seu pivete intrometido.
— Mas o que? — perguntou Julian indignado.
— Viu trouxa, isso que acontece — aproveitei para tirar sarro enquanto me levantava daquele chão gelado.
— Isso é sua culpa — Julian ameaçou vir em minha direção mas foi impedido por Peter.
— Nada disso, não vão brigar agora. Que se matem, mas depois que todo o terreno em volta do orfanato esteja bem limpo. Os demais desçam para a área de trabalho — ele ordenou e todas as criança o obedeceram.
— Me deixe ir com eles — pediu Julian vendo as crianças se afastarem.
— Vocês dois morrem hoje de tanto trabalhar — disse Peter em um tom ameaçador — fiquem paradinhos ai, vou buscar uma coisa — ele desapareceu em um corredor longo que levava até a porta dos fundos do orfanato.

— Mas é um baita dum otário esse Peter —  Julian riu, comemorando.
— Não fique tão animado, isso foi só uma parte do plano. Faltam duas.
— A segunda é com a idiota da Vanda e a ultima com você.
— Estou com medo.
— Você sempre está, mas vai se sair bem, tenho certeza. Você já fez a parte mais difícil que foi convencer aquele menina a nos ajudar.
— Isso não saiu de graça, ela vai morar com a gente.
— Isso é, se seus pais deixarem. É claro.
— Você eu tenho certeza que eles deixam.
— Por eu ser ben legal e descolado?
— Não. Por você ter essa cara de pobre coitado que se alimenta de restos — comecei a rir da cara de ódio que Julian fez. Mas era só charme pois ele logo voltou a sorrir.
— Vou comer todos os seus porcos.
— Tente e verá.
— Não há nada que você possa fazer pra me impedir, e só um garoto fraco. Diferente de mim que tenho uma força muito superior as crianças da minha idade.

Paramos de conversar no exato momento em que Peter surgiu novamente no corredor. Ele andou rápido até nós.
— Deixei um presentinho para vocês lá fora, venham — ele nos segurou pelo braço e nos arrastou para fora do orfanato.
O dia estava ensolarado e era a primeira vez que eu via todo o cenário do lado de fora daquele inferno. Estávamos nos fundos do orfanato e este possuía um grande terreno, havia um poço, uma pequena plantação e muito mato crescia por todo canto.
Mas a área não era aberta, todo o lugar era cercado por um grande muro impossível de ser escalado por uma criança ou até mesmo um adulto. O tal presente de Peter tratava-se de duas enxadas que estavam encostadas na parede.
— Podem começar, quando acabarem de limpar tudo aqui irei leva-los para a parte da frente. Lá também está precisando de uma boa limpeza e se não fizerem direito serão castigados e terão que fazer tudo de novo. Peter ficou parado na porta observando todo o nosso trabalho árduo sem nem se quer nos dar água. Ele apenas saia de seu posto por poucos segundos e isso era quando precisava ir ao banheiro ou coisa do tipo.

A Garota Em ComaOnde histórias criam vida. Descubra agora