23- A Professora Goxtosa

4.4K 299 36
                                    

Minha turma estava sem professor depois do intervalo, mas como Carla não estava no colégio, não deixaram a gente ir embora... Acabamos no pátio sem fazer nada por duas aulas seguidas.

Eu sentei em um dos bancos para tomar um pouco de sol, de lá, eu podia ver o segundo prédio, onde eu costumava estudar junto com Karen e os gêmeos. Eu senti uma nostalgia naquele momento que sou foi interrompida quando eu notei uma sombra sobre mim. Quando olhei para trás, vi Jenny com o sorriso mais lindo no rosto.

Fui um pouco para lado para que ela pudesse se sentar comigo.

-O que estava olhando? - Perguntou curiosa

-Minha antiga sala... - Sorri fraco - Era a terceira janela da esquerda para a direita - Apontei

-Por que foi transferida de sala mesmo?

Essa não era uma história muito bonita... Mas todos já sabiam, me surpreendia ninguém ter contado para ela.

-Se ninguém te contou, o que é que falam sobre mim no conselho de classe?

-Que é difícil... Não tem interesse, e mata aula... - Ela desviou o olhar - A última parte é verdade... Mas as outras duas, eu tenho que descordar

-Você é suspeita - Sorri para ela me ajeitando no banco tentando encontrar o melhor modo de contar sobre a transferência. - Sabia que antigamente tinham cortinas nas janelas?

-Ouvi falar, na verdade ouvi gente reclamando da ausência delas, por quê?

-Titaram as cortinas por minha causa...

-O que você fez?

-A versão resumida e a que mais circula pela escola é que eu coloquei fogo na cortina e tentei incendiar o prédio... - Não tive coragem de olhar para ela, mas o seu silêncio também não me deixou muito segura

-Que tal me contar a sua versão? Detalhada de preferência, pois a versão resumida me deixou com muitas dúvidas

-Eu tinha um tio - Falei como se isso fosse o bastante para explicar enquanto eu colocava os pés no banco de forma que eu pudesse abraçar as minhas pernas

-O que aconteceu com ele?

-Overdose... Heroína eu acho - Abaixei a cabeça, encostando-a no meu joelho - Ele tinha um isqueiro, o isqueiro da sorte, ele sempre estava com aquele negócio... - Respirei fundo antes de continuar - Ele tinha esquecido o isqueiro na minha casa no dia em que morreu... Sem sorte... A sorte estava na minha casa, em cima da estante, ao lado da tv...

-Não foi a falta do isqueiro...

-Eu sei que não, mas na época eu achei que fosse e eu me senti a pessoa mais culpada do mundo.

-Você não tem culpa pelo que aconteceu...

-Bom... Eu quis ficar com o isqueiro, pra ter algo dele sempre comigo.

-E então...?

-Eu estava brincando com fogo, literalmente. Eu estava brincando com a chama do isqueiro quando tentaram tirar ele da minha mão e eu puxei com força por impulso... Eu sentava na fileira da janela, quando eu puxei o isqueiro, ele voou na cortina... Pegou fogo tão rápido, eu não sabia o que fazer... Carla queria me expulsar, minha mãe precisou implorar muito pra que isso não acontecesse. Então ela me colocou nesse prédio, onde ela pode ficar de olho em mim porque a sala dela fica literalmente no final do corredor...

-Eu não sei o que dizer

-Fala que poderia ter sido pior, afinal ninguém se machucou...

-Poderia ter sido pior. Realmente...

-Como se não bastasse ter a Carla de olho em mim, ela me colocou pra trabalhar na biblioteca como castigo também...

-Olha... Agora muitas coisas foram esclarecidas. Eu realmente não entendia porque você trabalha na biblioteca.

-Poderia ter me perguntado

-Não sabia se devia...

-Você está quieta de mais... No que está pensando?

-Bom, agora eu sei pra quem eu devo reclamar quando o sol bater na minha cara no meio da aula.

-Me declaro culpada perante a essa acusação...

-E...

-E?

-E... Eu não sabia que namorava uma incendiária

Meu coração bateu mais forte, e eu não sabia se deveria comentar sobre isso. Eu apenas sorri para ela, morrendo de vontade de beijar seus lábios mas sabendo que não podia. Só de estar sentada ao meu lado eu podia sentir os olhares dos outros alunos sobre nós.

Eu não me importava, mas eu sentia que Jenny não gostava muito disso. Tinha medo, e eu sabia disso.

-Oi Jenny - Ouvi uma voz vindo de trás de mim e olhei assustada encontrando os olhos de Nat

-Oi, anjinho. Tudo bem? - Jenny era tão simpática com essa garota que me fazia querer vomitar.

-Estava com saudades, será que podemos conversar? - Ela olhou para mim como se pedisse para que eu me retirasse

Eu ignorei, não iria sair do meu banco pra ela sentar com a minha Jenny... Minha Jenny... Ainda não estava acreditando.

-Tenho alguns minutos antes da próxima aula, quer me acompanhar até a sala? - Jenny ofereceu vendo que eu não iria me retirar

Nat acenou positivamente com a cabeça e então as duas sairam do pátio entrando no prédio.

Eu tinha quase certeza que aquela garota gostava da Jenny, sempre querendo estar perto dela, e ser prestativa para ela, como se quisesse ser enxergada. Não acreditava que Jenny não percebia isso. Pra sorte dela (ou pra minha) eu era mais direta, pois se estivesse tentando mandar essas indiretinhas como estava Nat, não teríamos dado nem o primeiro beijo...

Quando o sinal tocou, tivemos que ir para a sala para a última aula. Seria de história, no caminho apenas vi Jenny encostada na parede com as bochechas coradas, o que me fez parar para saber o que havia acontecido.

-O que foi? - Encostei na parede ao lado dela

-Eu acabei de ser chamada de gostosa - Ela ria mais do que tudo o que me deixou confusa

-Quer explicar?

-Eu tô acostumada com os olhares indiscretos de alguns alunos, mas eu não estava esperando por essa - Confessou cruzando os braços enquanto tentava parar de rir - Ela falou "Olha só a professorinha gostosa" - Então Jenny voltou a dar risada - Ela tinha sotaque, então era goXXXtosa - Jenny tentou imitar tanto a voz como o sotaque da garota

-Bom... Eu não posso discordar... - Olhei para ela de cima a baixo de um jeito que sabia que ela ficaria tentada - Ela tem um ótimo gosto

-Você acha?

-Uhum...

-Jully! - O professor de história me gritou da porta da sala

-Tenho que ir, Professorinha goxxxtosa - Imitei o sotaque e pisquei discretamente para ela enquanto caminhava para a sala.

Uma lição de amorOnde histórias criam vida. Descubra agora