Capítulo 14

94 26 23
                                    

No dia seguinte foi mais fácil acordar Anne que no anterior. A vontade de fazer inúmeras perguntas a ela ainda me provocava a romper a maturidade que me era necessária naquela situação. Mas eu esperaria o seu tempo. Pois não estava disposta a perder o pouco que havia conseguido conquistar naqueles últimos dois dias.

Estávamos na cozinha do apartamento, sentadas na mesa e tomando o café da manhã, quando perguntei:

— Gostou?

Mais cedo eu havia ido na lanchonete e comprado dois lanches, pegado algumas frutas na geladeira e feito a mesa. Não ficou algo esplêndido, mas dava para o gasto.

Anne levantou os olhos e me encarou. Seus olhos negros como a noite sem lua, refletiam tudo a sua volta. Eles eram profundos e escondiam muita coisa que eu não conseguia desvendar.

Então ela assentiu e eu demorei alguns segundos para me lembrar o motivo do gesto. Lembrar-me que era porque havia gostado do café.

Embora ainda ventasse bastante, a neve caía de maneira escassa e fina, e nós decidimos ir a pé para nossos destinos. Eu acompanhei Anne até seu colégio, caminhando ao seu lado com apenas o barulho dos veículos que passavam por nós rompendo o silêncio.

Ao parar em frente aos portões cinzas da instituição, olhei para ela e sorri ao ver um minúsculo floco de neve em sua bochecha. O gelo branco pousado delicadamente na pele escura de Anne era uma imagem que tentei capturar detalhadamente para guardá-la em minha mente. Um oásis em pleno deserto.

Levantei a mão e com o polegar, retirei o floco de seu rosto.

— Um... — Deixei a frase no ar ao sentir sua pele quente em contato com a minha. Era a primeira vez que eu conseguia tocá-la. — Um floco de neve.

Ela recuou alguns passos, assustada, e entrou pelos portões do seu colégio sem olhar para trás.

— Fique bem, Anne — murmurei baixinho, mesmo sabendo que ela não me ouviria mais.

Caminhei até a Universidade e encontrei Zoe enquanto esperávamos que o elevador ficasse vago.

— O que foi aquilo no cinema, domingo? — ela perguntou, enquanto enfim as portas metálicas se abriram outra vez e pudemos entrar.

— Aquilo o quê?

— Não se faça de desentendida, Clara. Eu não sou ingênua e percebi que algo tinha acontecido entre você e Jason enquanto eu estava longe.

Cocei a cabeça, desviando os olhos dela.

— Ele tentou me beijar.

As portas do elevador se abriram e eu comecei a caminhar, seguida da Zoe.

— Como assim ele tentou te beijar?!

Eu a encarei, interrompendo meus passos.

— Está com ciúmes?

Ela negou com a cabeça firmemente.

— Claro que não — murmurou. — Mas você ainda não respondeu minha pergunta.

— Bom... Nem eu sei bem o que aconteceu. Acho que foi um momento de besteira, algo que não merece atenção.

Zoe pareceu não estar muito convencida da minha resposta, mas apenas voltou a caminhar sem dizer mais nada.

As aulas do período matutino foram normais e sem desavenças. E no almoço Anne parecia mais distante de mim que na noite anterior. Ao voltar do trabalho, não a encontrei no apartamento e demorei alguns segundos para me lembrar do haras. Entre aspas, eu ainda tinha algum tempo antes de ir para a Universidade, então saí do apartamento novamente e enquanto descia pelo elevador, chamei James pelo celular e rapidamente eu já estava cruzando a entrada do meu destino.

Do Outro Lado do AtlânticoOnde histórias criam vida. Descubra agora