O peso havia caído sobre minhas costas novamente.
No dia seguinte, Anne teve uma crise e desmaiou.Como estávamos no orfanato, com a ajuda da Senhora Carly a levei o mais rápidopossível para o hospital. Logo ela acordou e a notícia que tivemos foi a jáesperada:
— Com os remédios não fazendo efeito e a doença progredindo rapidamente, os desmaios poderão se tornar cada vez mais comuns. O que nos resta é rezar para que um doador compatível apareça. E logo — disse a doutora.
Naquela noite eu não dormi.
Eu só conseguia pensar em Anne e no que poderia fazer para ajudá-la.
Nada.
Eu não podia fazer nada e isso me aterrorizava. Constantemente.
Mas tudo o que estava ao nosso alcance já havia sido feito, no entanto, Anne continuava morrendo! Aos poucos e a cada respiração.
Pela primeira vez, naquele dia eu vi Anne ter medo. Medo de verdade, medo de morrer. Não como aquele de quando seu cabelo fora raspado ou quando descobrira a doença. Nas duas vezes anteriores ela ainda estava agarrada à ideia da quimioterapia, mas naquele momento era diferente. Anne caminhava em uma linha tênue e eu era obrigada a assisti-la de braços cruzados, sabendo que se alguém de qualquer lugar do mundo não viesse ajudá-la o preço a ser pago seria pesado, cruel. Eu precisava a assistir desabar pouco a pouco enquanto permanecia imóvel, porque não podia dar uma parte minha para ela, porque o destino havia preparado tão bem aquilo tudo que se encarregara pessoalmente de atar minhas mãos para que não pudesse fazer nada.
E a cada vez que Anne direcionava seu olhar suplicante em minha direção, eu sentia ainda mais na pele a sensação de insuficiência. Eu não tinha o que dizer para acalmá-la, ela já era grande demais para acreditar em um simples "vai ficar tudo bem" então tinha que simplesmente assistir aos seus acessos e crises, enquanto apertava tão forte minha mão que me fazia temer que a qualquer momento aquele aperto pudesse se afrouxar e me impedisse de ver seu peito se inflar outra vez.
Naquele dia, após Anne despertar do desmaio, mais uma vez eu não tinha o que dizer, então apenas a abracei enquanto seus olhos me imploravam por alguma coisa... alguma ajuda. Mas eu não tinha o que fazer e como não sabia como dizer isso a ela, então apenas a abracei enquanto sentia a dor e o medo se multiplicar e arranhar meu peito até transbordar pelos olhos.
As lágrimas me faziam tremer, mas eu tinha que ser forte. Tinha de ser forte e não demostrar para Anne o quanto também estava destruída, então limpei as lágrimas disfarçadamente, respirei fundo e segurei seu rosto entre as mãos.
— Ei, você se lembra quando disse que não tinha medo pois tinha pedido a Deus que nos ajudasse e que confiava nele? Por que não acredita nisso agora? — Tentei animá-la, mesmo que a cada palavra que saía da minha boca meu cérebro gritasse para que eu parasse de mentir para ela.
— Porque até agora nada aconteceu e eu estou com medo — Anne murmurou entre soluços. — Ele sabe de tudo o que está acontecendo e não fez nada. Já estou nos quarenta e cinco minutos do segundo tempo no jogo da minha vida e até agora Ele não fez nada.
De repente, o sonho que havia tido dias antes me veio na cabeça, como uma luz intrusa que ocupou toda a minha mente sem permissão. Lembrava-me perfeitamente das palavras do ser brilhante: "Fique tranquila. Não tenha medo, tudo irá ficar bem", dissera ele. Por algum motivo eu havia me lembrado daquilo e uma chama de esperança se acendeu dentro de mim. Eu ainda podia ter esperança, nem tudo estava perdido.
— Sabe de uma coisa? — falei, me afastando para conseguir olhar em seus olhos. — A alguns dias atrás eu sonhei que um anjo se aproximava de mim e depois de segurar minhas mãos me disse para ficar tranquila pois tudo iria ficar bem.
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Do Outro Lado do Atlântico
Chick-LitEm uma realidade futura onde a maior parte do mundo voltou para o Regime Monárquico, e príncipes e princesas estão por toda parte, Clara Rachel, a dama de companhia da princesa canadense, é uma jovem determinada que sonha em terminar sua tão querida...