Capítulo 16

84 23 116
                                    

Deu mais trabalho para limpar aquilo tudo do que eu havia imaginado. Gastamos mais tempo para reorganizar a cozinha do que para fazer o bolo. Mas em compensação, nossa receita ficou incrível. Na manhã do dia seguinte, tiramos uma fatia para cada uma de nós e nos deliciamos com o resultado. Realmente a combinação entre o doce do chocolate e o gosto do maracujá contrastavam maravilhosamente bem e conseguiam deixar qualquer um com água na boca.

— Cliente na mesa oito! — alguém que não reconheci, gritou do outro lado da bancada da cozinha. Nos sábados meu turno era de manhã para eu conseguir ter a tarde livre.

Me levantei em um pulo da cadeira que estava sentada e passando as portas duplas, ajeitei meu cabelo dentro da touca outra vez. Peguei o tablet de dentro do grande bolso do avental azul escuro que combinava com o restante do uniforme e caminhei até a mesa esperada.

— Bom dia. O que vai querer hoje, senhor? — perguntei, sem desviar os olhos da tela do tablet, onde excluía alguns pedidos anteriores.

— Um cappuccino e um sanduíche de peito de peru desfiado.

Eu conhecia aquela voz. Com certeza conhecia.

Levantei os olhos, me deparando com o que já imaginava: Henri continuava com seus cabelos bagunçados e seus olhos verdes faiscantes.

— Mais alguma coisa? — perguntei, tentando disfarçar o quanto, por algum motivo, estava desconfortável.

Ele negou com a cabeça e eu me afastei.

Passei as portas duplas e me apoiei na parede, soltando o ar dos pulmões que nem sabia porque estava prendendo.

— Qual era o pedido da mesa oito? — Levantei os olhos do chão e percebi que se tratava da outra garçonete da lanchonete.

— Um cappuccino e um sanduíche de peito de peru desfiado. E... hum... teria como um de vocês entregarem o pedido? Eu preciso ir ao banheiro. — Foi a desculpa que encontrei no momento para não ter de voltar àquela mesa.

— Claro. — A garota abriu um sorriso e se virou para se distanciar, mas hesitou. — E a propósito, beba um pouco de água. Você não parece nada bem — ela disse, antes de atravessar a cozinha e repassar o pedido de Henri para a cozinheira chef.

Aceitei o conselho dela e permaneci concentrada em minha respiração enquanto me questionava como havia sido capaz de cometer tal deslize interno. Eu poderia não suportar a presença dele, mas ali eu estava em ambiente de trabalho e teria que manter o profissionalismo.

Observei pelo pequeno vidro das portas duplas o único garçom da lanchonete entregar o pedido de Henri, que parecia aéreo enquanto o rapaz falava algo com ele.

Eu não queria sair dali tão logo, mas quando me lembrei do que estava em jogo, respirei fundo e cruzei as portas duplas vai-e-vem, que ainda balançavam, me direcionando até a mesa onde uma nova cliente havia acabado de se sentar e ainda não tinha sido atendida pois os outros dois garçons estavam ocupados e nem sequer haviam percebido a existência da mulher na lanchonete.

— Bom dia, senhora. — Ela levantou os olhos do notebook, onde lia uma matéria sobre alguma notícia do Parlamento, e me encarou de soslaio. — Já tem o pedido?

A mulher fechou o aparelho, o acomodou em um canto da mesa e pegou o cardápio, de maneira lenta e preguiçosa, enquanto eu a aguardava com os dedos das mãos entrelaçadas atrás das costas e o olhar fixo no minúsculo buquê de flor que enfeitava a mesa de madeira.

Durante dois longos minutos, eu a esperei enquanto conseguia ver clientes, provavelmente com os pedidos já prontos, aguardando para serem atendidos.

Do Outro Lado do AtlânticoOnde histórias criam vida. Descubra agora