Capítulo 34

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O sexto dia.

Faltava apenas dois dias para o meu prazo acabar. Eu precisava arrumar uma solução ou então meu cantinho favorito no mundo passaria a pertencer a outra pessoa.

— Clara? — Zoe chamou, me encarando.

— Sim?

— Está tudo bem? Você parece tão distante esses dias... É alguma coisa com Anne ou por ela ter conhecido seu doador, que no fim era o Primeiro Ministro e tio do... Henri?

— Não. — Neguei com a cabeça. — Está tudo bem com Anne. Não se preocupe.

Zoe não respondeu. Continuou em silêncio observando o movimento no refeitório da Universidade, neutra.

— Onde está Jason? — perguntei. — Você sabe o que está acontecendo?

Era o segundo dia que ele não nos procurava. Eu tinha acabado me distanciando um pouco por causa de tudo o que havia acontecido, o que resultara em um número considerável de dias que a gente não conversava de verdade. A última vez que havia o visto fora no hospital quando Anne ainda estava lá.

— Com Kiara — ela respondeu, seca.

— Quem?

— A princesa da Irlanda e namorada dele. Não conhece?

Neguei com a cabeça.

— Então te apresento ela — disse Zoe, apontando com o queixo para os dois que conversavam com um grupo de universitários do outro lado do refeitório.

Ela não era muito alta, tinha cabelos castanhos, usava roupas simples e o cabelo estava preso em um rabo de cavalo mal feito. Sem vestidos longos ou pomposos, tiaras ou sejam lá qual fossem os enfeites de princesa favoritos dela, Kiara poderia ser confundida com uma garota comum, uma garota como eu.

Ao meu lado, Zoe parecia quieta demais, talvez tensa. Queria perguntar se era por causa de Jason, mas preferi ficar calada já que de certa forma uma parte de mim estava contente por ele estar com outra, pois isso significava que havia sido sincero quando me disse que aquilo no dia do cinema havia sido apenas um deslize, um erro.

Só percebi que estava encarando os dedos entrelaçados de Jason e Kiara quando ouvi a voz de Zoe ao meu lado:

— Por acaso você gosta dele? Tem quase um minuto que está encarando as mãos dos dois entrelaçadas.

Ri enquanto voltava meu olhar para ela.

— Te garanto que não.

Na verdade, havia me lembrado de Philip. Eu tinha passado por tanta coisa depois que tudo aconteceu que nem sequer havia tido tempo para sofrer pelo término. Simplesmente jogara para depois aquela dor e a cada vez que ela ameaçava reaparecer, a trancava novamente pois não tinha tempo para aquilo.

Eu tinha que ser forte. Por Anne, por minha família, pela lembrança do meu pai e por mim mesma. Porque havia um universo sobre mim e se eu vacilasse tudo desmoronava. Então eu não podia me dar ao luxo de ser fraca. Havia muita gente que dependia de mim e por isso, ao longo daqueles meses eu tive que ser a pessoa mais forte que alguém poderia conhecer, tive que ignorar a dor e fingir que não tinha medo. Que não tinha medo de perder minha mãe ou Anne, medo de não conseguir sustentar a responsabilidade de sempre parecer confiante perto da garota que dependia de mim, ou que não temia mais que tudo no mundo que na luta dela e a leucemia, o câncer vencesse.

— Tem lágrimas nos seus olhos... Tem certeza que está tudo bem? — Zoe insistiu.

Observei seus pequenos olhos negros, um semblante de preocupação estampado em seu rosto.

Do Outro Lado do AtlânticoOnde histórias criam vida. Descubra agora