Capítulo 33

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Eu tinha acabado de mostrar para Anne sua nova certidão de nascimento — Anne Baker Hooper, esse seria seu nome a partir daquele dia — quando meu celular apitou sobre a poltrona. Liguei sua tela e vi que se tratava de uma mensagem enviada por um número desconhecido.

Abri a aba.

Bom dia, senhorita Hooper, como vai? Meu estimável tio, conforme suas palavras, achou Anne "uma garota espetacular e de admirável ponto de vista em relação a tudo que conversamos", então ele quer saber se poderia voltar a vê-la ao menos uma vez antes de retornar a Paris?

Henri.

Hum... Anne? O que você acha de ver Sebastian novamente? — perguntei a ela, que acabava de sair do banheiro do quarto.

— Seria legal, por quê?

— Ele quer saber se poderia voltar a vê-la antes de ir embora, posso dizer que você aceita?

— Por mim pode ser — respondeu, enquanto amarrava o turbante na cabeça nua.

Bom dia, senhor

— Como é mesmo o sobrenome dele...? — murmurei, suspirando e voltando a digitar quando me lembrei de que nunca havia ficado sabendo.

Bom dia, senhor Henri. Vou bem, obrigada. Anne disse que adoraria conversar novamente com Sebastian e acho que no sábado à noite seria bom. Ah... por favor, avise a ele que eu também precisarei ir. Espero que ele não se importe.

Deixei meu celular sobre a mesinha que usávamos para jogar xadrez e me aproximei de Anne, que encarava seu reflexo no espelho do banheiro. Sua expressão estava mais fechada que o habitual e não parecia mais a mesma de um minuto antes.

— Está tudo bem? — perguntei.

Ela apenas tencionou o maxilar.

— Por que você não fica sem o turbante ao menos uma vez? — insisti, afagando suas costas.

— É estranho! — exclamou, retirando o tecido da cabeça. — Olha isso! É horrível!

Demorei alguns segundos para conseguir absorver suas palavras.

— Não é horrível — murmurei. — É você.

Anne abriu a boca para me responder, mas deixei-a falar.

— Ninguém é a mesma pessoa a vida toda, Anne. São fases e não tenha vergonha disso. Logo seu cabelo estará grande novamente. E ao invés de reclamar disso, lembre-se que essa é apenas uma marca de que você conseguiu vencer a Leucemia enquanto tantas pessoas ao redor do mundo choram porque perderam amigos, filhos e irmãos para essa doença. Não quero dizer que você não tenha razão, sei que deve ser difícil se acostumar com a ideia. Mas é tão lindo quando conseguimos ver o sorriso no rosto de alguém que venceu um câncer, assim como você... Então não tenha vergonha disso, por favor. — Segurei suas mãos, sorrindo. — Esse detalhe é apenas a prova de que você é uma dessas pessoas mais fortes que uma doença.

Anne me encarou em silêncio por muito tempo, dava para ver a velocidade em que seus pensamentos corriam através dos seus olhos, então saí do banheiro e a deixei sozinha. Aquele era um dia importante, decisivo. Eu sabia a razão de sua apreensão. A doutora Laurent analisaria seus últimos exames e se os resultados apontassem uma melhora, como os anteriores, ela finalmente receberia alta e poderíamos ir para casa.

A esperei resolver-se consigo mesma, sentada na poltrona do quarto. Eu não a apressaria pois apesar de tudo, não era capaz nem de imaginar tudo o que devia estar passando por sua cabeça. Por mais que os acontecimentos também tivessem o poder de me afetar terrivelmente forte, nem se comparava à Anne. Fora ela quem sentira as agulhadas constantes, passara por infinitos exames e sofrera com as crises da doença, os desmaios e efeitos colaterais do tratamento. Havia sido com a vida dela que a Leucemia tinha brincado. Então eu apenas aguardei, analisando mentalmente as diferenças de tonalidades entre o branco do teto, das paredes e da roupa de cama que usavam, me levantando de onde estava apenas quando ela saiu do banheiro com o turbante em uma das mãos.

Do Outro Lado do AtlânticoOnde histórias criam vida. Descubra agora