Capítulo 19

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Encarar meu patrão com sangue nos olhos foi apenas o início. Tony estava tão mal-humorado quando cheguei na lanchonete que temi ser demitida, mas depois de um longo discurso justificando toda a situação e uma promessa de que iria repor a hora atrasada em outro momento, consegui ser liberada para ir trabalhar.

E então quando achei que finalmente conseguiria ficar tranquila, uma dor de cabeça insuportável me atingiu enquanto eu devia continuar mantendo o sorriso no rosto e reforçá-lo todas as vezes que listava um pedido em meu tablet. A cada cliente atendido, o medo retornava ao me lembrar as condições em que minha casa estava, a cada mesa limpa, temia perder tudo o que tinha dentro daquele apartamento a um triz do desmoronamento, e a cada prato entregue o desespero de para onde eu iria, ameaçava tomar conta de mim.

Quando meu turno, as sete da noite, acabou, eu entrei no banheiro e troquei o suéter que havia usado durante todo o dia por uma camiseta de algodão azul, enquanto James já me esperava do lado de fora da lanchonete, pronto para me levar para a Universidade o mais rápido que conseguisse.

Ao parar em frente ao meu destino, o paguei e desci do veículo mais que depressa. Passei correndo pelo jardim, entrei no prédio e corri até as escadas, as subi o mais rápido que pude e quando consegui finalizar a escalada, já estava quase sem ar.

Parei por alguns instantes, respirando fundo, e então voltei a correr pelos corredores totalmente desertos da Universidade até a minha sala. Bati na porta e um minuto depois o professor ranzinza de política da administração, que mantinha um bigode inglês no rosto, a abriu, me olhando de cima embaixo sem disfarçar a desaprovação.

— Por favor, me deixa entrar? — pedi, arfando, enquanto meu corpo tentava suprir o ar que faltava em meus pulmões.

Ele deu uma olhada para o interior da sala, para mim novamente e, hesitante, recuou um passo para que eu atravessasse pela porta.

Caminhei até minha mesa, evitando qualquer tipo de contato visual com os universitários que me encararam como se eu fosse um monstro de sete cabeça enquanto retirava minhas coisas da mochila.

— Deixem-na em paz e se concentrem no que eu acabei de dizer para fazerem. Eu resolvo a situação da aluna que chegou atrasada — vociferou o professor.

Encarei o senhor Lennon que repetia o que era para fazermos, e pela primeira vez, torci para que sua aula durasse muito tempo, na esperança de que talvez até lá eu já soubesse o que fazer comigo mesma durante aquela noite, já que não tinha em mãos dinheiro suficiente para pagar nem uma noite em um hotel de quinta categoria. Mas para o meu completo desespero, o tempo voou e quando os relógios marcaram vinte e três horas, ainda sem nenhuma ideia de para onde ir, guardei minhas coisas e comecei a descer as escadas, sentindo as consequências da dor de cabeça que não havia dado trégua.

— Oi, Clara! Me espere! — A voz de Zoe soou atrás de mim.

— O que você está fazendo aqui? — perguntei, me virando para ela que corria tentando me acompanhar. — Você não tem horários a noite.

— Vim buscar um livro da biblioteca que estava precisando — ela respondeu, se escorando em mim com a respiração acelerada.

— Você conhece algum hotel extremamente barato aqui na região? Preciso achar algum lugar para passar a noite, e o que fiquei antes de alugar meu antigo apartamento está fora de cogitação no momento.

Eu não imaginei que dizer aquilo seria como acordar um dragão que dormia sossegado à marteladas no focinho. Zoe parou instantaneamente, ignorando totalmente o fato de que estávamos em uma escadaria muito movimentada e que iríamos atrapalhar as pessoas, segurou meu queixo com força e me encarou com os olhos semicerrados de maneira tão séria que eu cheguei a me questionar se ela iria me metralhar apenas com o olhar ou de maneira real.

Do Outro Lado do AtlânticoOnde histórias criam vida. Descubra agora