Capítulo 17

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Acordei mais tarde que eu esperava, mas também não me importei muito. Afinal, era domingo. A semana havia passado depressa e o dia em que Anne voltaria para o orfanato já tinha chegado.

Eu havia tentado evitar pensar naquilo durante a semana, mas naquele momento era inevitável. Anne, por mais que parecesse inflexível e não sociável, naquela semana em que ficamos juntas eu consegui ver o que ela tentava manter em segredo até de si mesma e, mais importante, enxerguei que dentro daquela garota ainda havia um coração batendo e por mais que não quisesse, ela também tinha sentimentos. Eu pude ver a beleza interior de Anne, conhecer sua história, seus sonhos e objetivos.

Saber de onde ela havia saído e para onde queria ir.

E naquela semana conturbada, bagunçada e inesperada, eu tive uma certeza que poderia alterar grandemente todos os planos que eu havia traçado para minha vida até aquele momento. Naqueles seis dias eu percebi que Anne não havia entrado na minha vida por acaso e por mais que eu não soubesse o que poderia vir pela frente, estava disposta a descobrir. Eu me importei com aquela garota de uma maneira como nunca tinha me preocupado com ninguém mais no mundo. Desde o primeiro dia em que a vi, algo nela me chamou a atenção e foi pensando nisso que cheguei à conclusão de que, com seu consentimento, eu iria em busca da adoção de Anne.

Queria muito fazer por ela o que sua mãe não havia feito. Eu não tinha a intenção de ocupar aquele papel em sua vida pois sabia que era insubstituível, no entanto, não havia mal algum em ser alguém que Anne soubesse que poderia contar quando as coisas não estivessem correndo bem e para comemorar cada conquista sua.

Me levantei e apertei o casaco de lã contra o corpo, apreciando a vista uma última vez, antes de voltar para a sala do apartamento e encostar novamente a porta da sacada. Caminhei até o quarto e observei Anne encolhida, enquanto dormia tranquilamente.

Com cuidado, me aproximei de sua cama e a cobri novamente com o máximo de cuidado para não a acordar, mas antes de conseguir me distanciar novamente Anne abriu seus olhos, ainda sonolenta, e me encarou.

— Bom dia — sussurrei.

Ela abriu um pequeno sorriso em resposta enquanto espreguiçava e eu voltei para a sala, onde a esperei enquanto ela se arrumava.

— Precisamos conversar — falei.

Anne desviou o olhar da caixa de suco e me encarou rapidamente, esperou seu copo encher e a guardou na geladeira outra vez. Pegou algumas bolachas no pote de vidro sobre a mesa da cozinha e voltou para a sala.

— Sobre o quê? — perguntou, colocando uma bolacha na boca enquanto se sentava no sofá.

— O que você acha de eu abrir um pedido de adoção sua?

Ela prendeu a respiração, se virando para mim mais séria do que eu jamais havia visto.

— Está falando sério? Você pensou mesmo em fazer isso? Você... você realmente pensou em me adotar? Mesmo com tudo o que eu já te disse?

Apenas assenti, sustentando seu olhar.

— Eu.. eu não sei — Ela deixou o prato de bolachas sobre o sofá e esfregou a mão no rosto. — Eu não sei o que dizer, o que pensar... Ninguém nunca me perguntou isso, então nunca parei para pensar em como é ter uma vida diferente da que eu tenho. Eu já nem imaginava que isso poderia acontecer, então não sei o que te dizer, você me entende?

Assenti novamente.

— Você já teve uma experiência comigo, Anne. Eu realmente quero fazer isso, mas só posso se você quiser. — Me levantei e fui até a cozinha, abri a geladeira e observei seu interior. — O que você acha de arroz e macarrão com queijo para o almoço?

Do Outro Lado do AtlânticoOnde histórias criam vida. Descubra agora