Capítulo 32

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Sentimentos se enrolando e misturando-se dentro de mim definiam aqueles últimos dias. Um ritual silencioso entre emoções opostamente gritantes.

Anne ter feito o transplante e seu corpo ter respondido muito bem às células novas me trazia paz, além disso, ver seu sorriso todos os dias quando voltava do trabalho ou da Universidade me dava ânimo para não demonstrar a ela que algo me incomodava. Embora tudo estivesse melhor que dias antes, ainda não estava tudo bem.

Não completamente.

Eu havia prometido a Max que daria um jeito de conseguir dinheiro para quitar a dívida com o hospital, mas nem se juntasse meu salário durante dois anos inteiros conseguiria o valor que precisava. De qualquer modo, ele havia dito que o hospital dera seis meses para pagarmos ao menos a metade da dívida, a outra parte teríamos de quitar com um ano completo. Entretanto, mais de sessenta dias haviam se passado e eu não havia conseguido nada e também não fazia ideia do que fazer para conseguir.

E já havia algumas noites que meu sono era roubado por isso.

Quando conversara com meu irmão ele confirmou que também estavam buscando encontrar alguma maneira de solucionar o problema, mas eu sabia que as coisas também não estavam fáceis para eles. Já havia muito tempo que a produção de vinhos não andava nas melhores circunstâncias e, nesse processo, minha família havia ajuntado algumas dívidas. Um pouco antes do meu pai morrer as vendas melhoraram e conseguimos quitar tudo o que estava pendente, no entanto, os valores das últimas vendas somaram menos do que esperávamos e não sobrara muita coisa para investir nos vinhedos, então consequentemente a produção voltou a despencar e as vendas não atingiram o nível estimado e tão necessário.

— E se vendermos a fazenda? — Max perguntou de repente, durante a ligação de dias antes.

— O quê? Não podemos! — exclamei, atônita. — É possível sentir o papai entre esses cachos de uvas, Max. Não temos o direito!

— Tem alguma ideia melhor para quitarmos a dívida então? — ele retrucou. — Você sabe que dizer isso dói em mim da mesma maneira que dói em você. Isso aqui é minha casa, mas eu não tenho mais ideia do que fazer, Clara! Nosso prazo acaba em pouco tempo e precisamos de alguma solução.

Engoli em seco, segurando para não deixar escapar as lágrimas que começavam a juntar nos cantos dos olhos apenas ao pensar na possibilidade.

Eu estava cansada.

Cansada de noites mal dormidas e de buscas frenéticas por resoluções de problemas. O esgotamento fazia com que pequenas coisas me atingissem mais forte do que o esperado.

— Me dê uma semana — murmurei. — Se eu não conseguir pensar em nada melhor nós voltamos a conversar sobre essa saída. Mas por favor, até lá não diga nada à mamãe, está bem?

— Sete dias. Ou então eu falo com nossa mãe e abro o anúncio. — Após dizer isso Max encerrou a ligação e não voltamos a conversar desde então.

Já era o terceiro dia e eu não conseguia imaginar nada. Não conseguia nem acreditar que havia outra solução a não ser a venda do único lugar que eu queria manter na minha família até morrer.

— Clara? O que está fazendo acordada a uma hora dessas? Deve ser duas da manhã, vá dormir. — Ouvi a voz sonolenta de Anne atrás de mim.

Eu passava todas as noites no hospital com ela. Já estava prestes a fazer três semanas de seu transplante. Logo teria alta se não houvesse nenhuma complicação nos exames que ela fazia quase diariamente para checar os dados da sua nova medula.

Do Outro Lado do AtlânticoOnde histórias criam vida. Descubra agora