Capítulo 40

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Quatro palavras. Foram tudo o que trocamos durante a volta para casa.

— Você está bem? — ele me perguntou, logo depois de embarcarmos e eu ter me forçado a ficar calma durante a decolagem, apenas para não precisar de sua ajuda.

Eu ainda sentia o gosto dos seus lábios nos meus, é claro. Mas todas as vezes que pensava no que havia acontecido na noite anterior, estremecia, porque de alguma maneira sabia que algo maior estava por vim.

— Sim — respondi simplesmente.

E foi só.

Ele sabia o motivo da minha quietude e sua resposta silenciosa apenas me fez ter mais certeza da gravidade da situação.

As horas de voo se escorreram como areia entre dedos e logo estávamos no aeroporto de Bordeaux e, então, em Arcachon. Subimos até o andar do meu apartamento e, antes que pudesse destrancar a porta, a mão de Henri pousou em meu braço.

Me virei para ele, encontrando seus olhos.

— Não é como se a noite de ontem nunca tivesse acontecido, Clara — sussurrou.

Eu não respondi. Apenas segurei seu olhar enquanto a mão quente subia para o meu rosto, acariciando minha bochecha, antes dele se aproximar, depositando um beijo em minha testa.

— Anne deve estar sentindo sua falta, vá ver ela. Em meia hora eu volto.

Henri se moveu pelo corredor, arrastando sua mala até o elevador, então desapareceu quando as portas metálicas se fecharam atrás dele.

Encarei o corredor vazio, ainda sentindo seu cheiro e o local onde havia tocado em minha testa.

Tão natural que eu não podia fingir que não havia acontecido.

Aquilo tudo me deixava tão atordoada, minhas reações e sentimentos, que demorei alguns segundos para criar coragem e abrir a porta do apartamento, encontrando duas figuras na sala de estar, que imediatamente se viraram para mim.

— Clara! — Anne exclamou, se levantando do banquinho em frente a um cavalete com uma tela posicionada. — Você não avisou que já estava chegando!

— Eu não consegui sinal — expliquei, a impedindo de me abraçar e apenas dando um beijo no alto de sua cabeça. Ela usava um avental de pintura com manchas frescas de tinta espalhadas por toda sua extensão e que, com certeza, faria um estrago em minha roupa. — Mas o que você está aprontando, mocinha?

— Pintando! — Ela apontou para sua tela colorida e me arrastou para vê-la mais de perto.

Inclinei a cabeça para o lado e analisei a pintura. Tinta vermelha, amarela, laranja e tantas outras haviam sido aplicadas, formando uma figura indecifrável a olhos que não fossem os de Anne.

— E o que exatamente você está pintando? — perguntei, tentando ao máximo parecer que só queria ter certeza das suspeitas que na verdade não existiam.

— Uma ampulheta, oras! O tempo foi quem me ajudou com tudo o que passamos e por isso uma ampulheta.

— Hum... — murmurei enquanto, aos meus olhos, as tintas da tela lentamente tomaram a forma do objeto que ainda não estava pronto.

— Eu disse para ela que isso não está parecendo uma ampulheta — Zoe disse atrás de mim, se levantando do sofá e colocando uma mão no meu ombro. — Como foi lá?

Anne revirou os olhos e fez uma careta para ela, enquanto se sentava novamente em seu banquinho.

— É claro que está, Anne — eu garanti. — Zoe só está querendo dizer que falta um pouco de técnica ainda, mas nada que você não consiga adquirir com prática e o próprio tempo. Não é, Zoe?

Do Outro Lado do AtlânticoOnde histórias criam vida. Descubra agora