Formatura e agradecimentos.

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POV ARTHUR - 2018

O colégio estava cheio, pais, alunos, até familiares distantes estavam presentes, professores nervosos andando de um lado para o outro, todos os alunos vestindo beca preta com faixa azul, eu estava sentado junto com eles nas cadeiras da frente, o capelo estava fazendo a minha cabeça coçar, estava inquieto, Amanda lançava uns olhares ameaçadores pra mim por estar me mexendo a cada segundo, não conseguia me manter quieto.

- Você quer beber uma água? Tomar um ar? - Henrique perguntou enquanto me via batendo a perna de nervoso.
- Não, estou bem. - Falei.
- E se você passar mal? - Henrique parecia preocupado comigo.
- Não vou... Só estou com calor. - Menti, eu estava quase passando mal
- Ok...

Depois de ouvir os discursos de alguns alunos eu consegui me acalmar, Beatriz tinha chegado atrasada, mas parecia tranquila, eu era o único que estava surtando. O meu surto duplicou quando ouvi meu nome sendo chamado pra fazer um discurso e pegar o diploma.
Subi as escadas com as pernas trêmulas, eu tinha a certeza que ia cair, mas não aconteceu, dei um aperto de mão em cada professor e professora.
Lá estava eu, sendo observado por umas quinhentas pessoas, dava pra ouvir a minha respiração no microfone, todos me olhavam ansiosos, eu não havia preparado um discurso, fui pego de surpresa, vi a minha mãe com os olhos marejado, ela deu um aceno discreto com um sorriso que dizia "Estou orgulhosa de você", aquilo foi o suficiente pra me dar coragem, comecei a falar.

- Bom, primeiramente eu queria deixar claro que fui desleixado o suficiente pra esquecer de preparar um discurso. - Todos riram. - Mas vou tentar falar do meu jeito, espero que eu consiga. - Respirei fundo olhando para meus amigos que fizeram um legal com a mão, Beatriz mexia os lábios dizendo "Você está indo bem", sorri quando li seus lábios e continuei. - Desde que ouvi falar sobre o ensino médio pela primeira vez, eu me desesperei, digamos que não sou muito sociável e a minha cara emburrada de sempre desagrada muita gente, mas não foi a catástrofe que eu imaginava, foi incrível. Tive os melhores amigos que alguém poderia ter ao meu lado a todo momento, amigos que me sinto privilegiado em ter encontrado, que nunca em deixaram na mão, sempre me apoiaram em absolutamente tudo. Falo tranquilamente que nunca me faltou colo, nem sequer uma vez. - Fiz uma pausa lembrando de um momento especial.

- Eu não tô suportando mais, não tô aguentando, eu desisto, tô desistindo, olha pra mim, Beatriz, olha! - Eu chorava alto o suficiente pra ser ouvido do outro lado da rua. Tinha acabado de passar por uma situação complicada, transfobia, uns caras me disseram repetidas vezes que eu nunca seria um homem de verdade, aquilo me matou por dentro. - Nunca vou ser como eles, estou preso na droga desse corpo pra sempre, eu não consigo mais. - Sentei na calçada da rua chorando feito uma criança, Beatriz me olhava chorando silenciosamente. Eu sentia repulsa de mim, me sentia estúpido, um idiota, anormal, por que eu não nasci como os outros garotos? Por que tinha que ser desse jeito? Doía, um ato desesperado pra aliviar aquela dor, comecei a dar socos no meu próprio rosto, socos fortes e firmes, Beatriz correu desesperada e segurou as minhas mãos, meu rosto estava avermelhado, as lágrimas não tinha intervalos, eu estava ofegante, fora de mim.
- PARA, NÃO SE MACHUCA. NÃO FAZ ISSO COM VOCÊ! - Ela gritava tentando chamar minha atenção, eu olhava pro nada desejando nunca ter nascido. - Arthur, o meu maior orgulho é saber que você não é como aqueles caras, você é diferente, você é único, nunca deseje ser igual a eles por causa de uma droga de um corpo. - Beatriz tinha voz de choro, eu a fitei pela primeira vez, nunca tinha visto ela tão triste, Beatriz mal demonstrava fraqueza, e agora ela estava na minha frente devastada. - Já me peguei várias vezes falando mal dos homens, em todas elas eu fazia uma correção, sempre falava que eu conhecia um exemplo de homem, e ele se chamava Arthur Garcia. Você devia ser uma inspiração pro mundo. Não deixe comentários como estes te afetarem, esses comentários NÃO SÃO NADA perto do homem que você é. Voce não mandou eu te olhar? Pronto, estou te olhando. Eu vejo você, Arthur. Eu vejo você! Eu sinto você, sinto a sua energia, sinto a paz que você transmite, você é luz. Corpo é carne, apodrece após a morte, corpo não é nada, a biologia não é nada perto de quem você é de verdade. Você é um homem, o primeiro homem que tive uma puta admiração de verdade, consegue enxergar isso? Consegue vê o quão forte você é? - Ela segurava o meu rosto com as mãos. - Não desista de quem você é, eu imploro...
Não soube o que dizer a ela naquele momento, ela apenas sentou ao meu lado na calçada, me deu espaço pra deitar no seu colo, encostei a cabeça em seu peito e recebi um carinho no rosto, em cada canto que eu tinha esmurrado. Eu estava soluçando, mas conseguir dizer algo pra ela.
- Eu te amo. - Disse entre soluços e ela sorriu.

- Mesmo cheio de falhas, aqueles três ali, nunca me deixaram na mão, daria a vida por cada um deles, sem eles não saberia como sobreviver nesse colégio. Admito que estou assustado com todo esse lance de estar me formando, é assustador perceber que está se tornando um adulto, mas eu tô me sinto preparado agora, até porque estou muito bem acompanhado. - Sorri deixando algumas lágrimas escaparem olhando pra as três pessoas mais especiais da minha vida. - Era pra ser um discurso sobre o quanto estou feliz por estar me formando, só que nada disso seria possível sem os meus amigos e a minha mãe.

- O que foi? - Perguntei encontrando a mamãe com o semblante perdido.
- Eu preciso que você sente... - Falou tentando manter a calma.
- Mãe? O que houve?
- Filho... - Ela tentava encontrar as palavras certas, aquilo estava me desesperando. - É sobre a Gisele. - Mamãe disse finalmente.
- Ela veio me procurar? - Falei sentindo uma esperança renascer dentro de mim.
Quase um mês sem notícias dela, eu estava enlouquecendo, recebi uma mensagem dela uns dias atrás, ela dizia "Estou bem, não se preocupe.", depois da mensagem, sumiu novamente.
- Arthur, a Gisele saiu do país hoje pela manhã e me pediu pra te avisar.
Eu sentir o meu corpo parar, continuei olhando para a mamãe sem acreditar no que tinha acabado de ouvir, isso só podia ser um pesadelo, o pior pesadelo que já tive em toda a minha vida, ela só podia estar brincando comigo, aquilo não podia ser real. Por favor, se eu estiver sonhando, preciso que alguém me acorde, preciso ser acordado agora. Percebi que era real quando vi uma lágrima descendo no rosto da minha mãe, me lembro de vê-la correndo desesperadamente na minha direção e no fim, ficou tudo escuro.

- Obrigado por estarem aqui hoje, obrigado por não terem desistido de mim, obrigado, mil vezes obrigado. Obrigado a todos os professores por compartilharem os seus conhecimentos, vou levar cada um deles pra vida. Então né, TAMO FORMADO CARALHO! - Gritei na última frase ouvindo aplausos, vendo alunos levantarem gritando de felicidade.
Fui pego de surpresa quando sentir abraços vindo de todos os lados, eram eles, Henrique, Beatriz e Amanda, todos emocionados, chorei mais ainda quando vi a mamãe vindo na minha direção com a maquiagem toda borrada de tanto chorar.
- Eu estou tão orgulhosa de você, meu amor... - Ela disse.
- Obrigado, mãe. - Falei abraçando-a forte.

Eu me chamo Arthur, e absolutamente nada nem ninguém poderá estragar essa felicidade que estou sentindo agora, felicidade que com certeza vai durar a minha vida toda.

Notas finais: Se eu fosse você não teria tanta certeza assim, Arthur.

Tonight, we are youngOnde histórias criam vida. Descubra agora