Vinte e sete

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Uma verdade incontestável: ciclos se fecham. Entender e aceitar isso é, em fato, o grande segredo da vida. A maturidade é diretamente proporcional ao quanto uma pessoa consegue lidar com o fechamento dos ciclos da sua vida.

Mas eis que, como seres humanos falhos e com sérios problemas de carência, baixa autoestima e falta de autoaceitação, não somos exatamente capazes de amadurecer nesse sentido. Nos agarramos às pequenas alegrias que temos na vida adulta e, de verdade, nos sentimos como se, ao soltarmos, não fôssemos conseguir encontrar novas coisas. Isso acontece com todas as partes da vida de uma pessoa: um relacionamento amoroso; o lugar onde você mora; uma amizade; um trabalho; seu ensino médio.

Essas coisas não estão, necessariamente, lhe fazendo bem. Se usássemos a racionalidade, veríamos com clareza os fios de cada ponta daquele quase-círculo que ainda não fechou se desmembrando uns dos outros e tentando desesperadamente ligar cada extremidade para que demos a toda a coisa um ponto final. Somos nós que seguramos esses fios com tanta vontade, tanta determinação. Determinação essa que nunca usamos para exercitarmos o amor próprio - que é o que você consegue quando deixa as pontas colarem e segue em frente.

O amor próprio é responsável por fazer com que você analise bem os ciclos antes de entrar neles. Faz com que você enxergue se as coisas valem a pena e, ainda mais importante, faz com que você cresça toda vez que o ciclo fechar. E vamos de ciclos novos.

[...]

Como professor, Kakashi era orientado a explicar aos seus alunos que a prova de vestibular que eles faziam aos dezessete ou dezoito anos de idade no último ano do colegial iria definir a vida inteira deles. Logo Kakashi, que apesar de ter se formado em Letras aos vinte anos de idade, não resumia a vida à profissão que tinha. Na verdade, embora amasse o que fazia, ele não dava sequer 20% da própria vida para a profissão. E havia se esforçado tão religiosamente para se realizar nos projetos extraprofissionais e na parte psicológica e emocional que sabia que poderia trabalhar com qualquer coisa, e ainda assim conseguiria ser feliz.

Afinal sua estante de livros ruins continuava dentro da sua casa perfeitamente projetada em cada canto. Os cactos nas superfícies e todos os móveis de madeira escura unidos às paredes claras, o minimalismo na decoração e os sofás e cadeiras todos confortáveis. O corredor com fotos dos moradores dali com suas respectivas famílias e o retrato dos três em tamanho gigante em plena sala de estar.

Além disso, os armários também tinham uma quantidade razoável de copos e xícaras idênticos - conjuntos para visitas - e exatamente três xícaras temáticas de fundo branco. Uma tinha desenhos de mini-porcos fofinhos e pertencia a Obito, a segunda tinha desenhos de cactos gordinhos (talvez fossem suculentas?) e pertencia a Rin e a terceira tinha desenhos de filhotinhos de cachorro de diferentes raças.

Outra coisa que realizava Kakashi perfeitamente era a cama king size onde, após um dia cheio e um banho quente, ele se deitava bem no meio, e automaticamente dois corpos se enroscavam nele, ainda que já adormecidos, como se fossem feitos para abraçá-lo.

Kakashi tinha dois livros publicados e os dois eram premiados. E por causa de um deles, que era infantil, ele recebia cartinhas e tweets de muitas crianças gordinhas. Ele também tinha uma pequena coleção de luvas e uma espécie de máscara que usava no rosto porque havia tido uma fase hipocondríaca e se acostumou com os acessórios.

Ele tinha um grupo-da-família com seu pai, seu esposo e sua esposa. Ele tinha amigos de quem se orgulhava.

Ele tinha tanta coisa para agradecer, então por que logo ele tinha que dizer aos seus alunos que precisavam dar tudo de si? Não! Eles tinham que dar tudo de si quando fossem escrever em seus diários. Quando fossem compor suas músicas. Quando fossem correr no parque com um amigo. Quando fossem ler para crianças carentes. Quando fossem decorar seu lar. Quando fossem assistir ao filme pelo qual haviam esperado durante o ano inteiro. Deviam dar tudo de si no show da sua banda favorita. Deviam dar tudo de si quando marcassem um encontro de amigos e precisassem arrumar tempo para ir. Deviam dar tudo de si quando precisassem escolher o nome do seu novo cachorro.

O vestibular era uma parte importante da vida deles porque eles tinham vontade de fazer uma faculdade e trabalhar com aquelas coisas. Eles precisavam de conhecimento e de emprego e precisavam unir as duas coisas. Mas eles tinham tempo. E não fazer faculdade, não ser juiz aos vinte e oito, não ser o mais jovem cardiologista do País do Fogo, nada disso diminuiria a grandeza de suas vidas. Era isso que ele precisava dizer aos seus alunos. Era desse tipo de incentivo que eles precisavam.

É por isso que ele avisou a Tsunade que naquele momento, se eles fossem ouvir sobre a importância do vestibular, a maioria deles teria crises de ansiedade ou de choro. Eles já haviam passado o ano inteiro preocupados e a prova já fora feita. Naquele momento eles precisavam de paz.

- Primeiro eu gostaria de fazer uma pergunta para alguns de vocês. Mabui, qual o seu maior sonho?

- Passar em Medicina.

- E o seu, Sakura?

- Passar em Enfermagem de primeira.

- Darui?

- Passar em Engenharia Civil.

Kakashi assentiu. Era exatamente o tipo de resposta que ele queria arrancar, por isso escolheu as pessoas certas.

- Não sei se vocês sabem, mas eu terminei o ensino médio aos dezesseis anos. Entrei na faculdade no ano em que fiz dezessete, e terminei o curso de Letras aos vinte. Eu tenho trinta e dois anos e tenho mestrado e doutorado. Vocês sabem qual foi o dia mais feliz na minha vida?

Todas as pessoas negaram.

- Quando meus esposos e eu decidimos nos casar. A cerimônia foi, obviamente, simbólica. Nenhuma igreja casa três pessoas e o nosso Estado também não. Fizemos sozinhos, no quintal de casa, onde tem um lago com alguns peixinhos. Era a noite mais estrelada em meses e nós estávamos todos usando roupas de moletom. Eu tinha comprado os anéis uma semana depois de pedi-los em casamento porque queria que pudéssemos fazer exatamente isso: encontrar o momento perfeito de forma espontânea e simplesmente fazer. Sentamos na beira do lago e demos as mãos, os três. Fizemos declarações sinceras, pedimos benção a Rikudou, esperamos ser concedida e trocamos os anéis. E outras coisas que pessoas fazem para selar compromissos amorosos.

A turma riu e ele também.

- Vocês sabem qual é o meu maior sonho? Morar em Otogakure com meus esposos. Rin e eu sempre quisemos isso para que Obito fique perto do pai dele. Só isso. Podia ser uma coisa grande, mas não é. Vamos abrir mão dos nossos empregos, rotina, da convivência com os amigos que temos aqui, mas a verdade é que, além do meu pai que vive viajando o mundo, a nossa única família é o Madara. E é pra lá que nós vamos. Eu sou escritor e professor e minha vida é incrível. Eu lido com os problemas que quero lidar, eu realizo meus pequenos objetivos sempre que posso e minha esposa e eu vamos arriscar algumas coisas sérias para fazermos nosso esposo feliz e completamente realizado. Não sonhem com um trabalho. Não sonhem com dinheiro. Não sonhem com moldes de vida perfeita que impuseram a vocês. Sonhem em assistir a um show de Paul McCartney antes que ele passe para o outro plano. Sonhem em visitar a Indonésia. Sonhem em ter seis cachorros grandes correndo em seu jardim. Façam planos sobre coisas pequenas que preencham suas vidas, viver para seu trabalho é perigoso e suscetível a frustrações constantes. Arrisquem. Sejam ousados. Sejam corajosos. Cresçam dentro das dificuldades e nunca, nunca tirem da cabeça que o fracasso sempre é inevitável e você precisa cultivar o hábito de lidar com ele da melhor forma possível: aceitando, analisando se ainda é aquilo que você quer, e tentando de novo. Quantas vezes for preciso.

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