Capítulo XII

1K 145 166
                                    

Sara observou Benício servir-se de mais uma xícara de café e pegar alguns biscoitos no pote de vidro. A forma como ele mudava as expressões ao ler o jornal era incrivelmente peculiar, e ela achava adorável. O apartamento do rapaz era minúsculo, azul em quase todas as paredes, com apenas um quarto, banheiro, cozinha e sala. Os pequenos cactos, plantados em seis ou sete vasinhos colocados na bancada que dividia a cozinha da sala, pareciam bem-cuidados, mas a terra a havia manchado a parede como respingos de chuva.

— Bom dia! – Ele a saudou, contente, levantando-se e dando um beijo no canto de seus lábios. — Dormiu bem?

— Bom dia, Benício – ela prendeu o cabelo. — Dormi muito bem, obrigada.

— Fiz café e levei para você na cama, mas você dormia tão profundamente, que não quis acordá-la. Então, voltei e esperei. Mas aí a minha cabeça começou a doer e resolvi tomar sozinho. Ela costuma doer muito pela manhã. Me desculpe por não tê-la esperado.

— Não precisa se desculpar, Ben.

Sara sentou-se à mesa e pegou uma xícara. Ela pensou no quanto ele devia ter se empenhado para preparar um café da manhã e, por um breve instante, se sentiu amada. Não sabia se havia tomado a decisão correta, mas não podia negar para si mesma que estava contente. Era inegável que ele ainda a atraía e, mesmo depois de todo aquele tempo, sentia que ainda o amava. Não havia saído com mais ninguém desde então, sequer conseguia se lembrar de como era ter um encontro.

— Essas panquecas ficaram ótimas! – Ela elogiou, mastigando. — Onde aprendeu a fazer? Desde que me lembro, você sempre cozinhou bem.

— Quando morei com a minha avó em Azevinho. Se lembra dela?

— Nossa, que saudade! – Sara exclamou ao se recordar. — É uma receita de família?

— Não, a gente assistia a muitos programas culinários – ele riu. — Ela sofria de Alzheimer, você deve se lembrar disso, mas passávamos muito tempo juntos assistindo aos programas que ensinavam receitas diferentes. Sempre quando um programa acabava, íamos ao supermercado e comprávamos os ingredientes. Ela ficava repetindo todos os ingredientes, mas depois não se lembrava de mais nada. Todas as vezes em que via alguma receita finalizada, sorria. Acho que, de alguma forma, remetia à época em que trabalhava no restaurante, mesmo que não se lembrasse que já havia trabalhado em algum momento da vida.

Primeiro, Sara ficou apenas admirada com a forma carinhosa como Benício relatava as memórias da avó. Desde que o conhecera, sempre se mostrou dedicado e atencioso com os outros, e isso era algo natural. O rapaz era uma boa pessoa, ela sabia disso, apenas não conseguia compreender o porquê dele ter fugido sem lhe dar qualquer justificativa, mas também não sabia se estava preparada para ouvir.

— Como ela está?

— Acredito que esteja bem – ele suspirou. — Está uma casa de repouso e está sendo muito bem cuidada. Sofreu muito, com muita coisa. Não fala, não anda, apenas ouve e sorri.

— Coitada. Quero visitá-la algum dia.

À tarde, quando resolveu ir para casa, a culpa pela maneira como havia agido com Santiago começava a despontar em seu peito. Ele era o seu melhor amigo e ela havia agido como uma idiota, impulsionada pelos sentimentos que sequer sabia se eram ou não verdadeiros. Pensou em ligar para ele, mas se estivesse no lugar de Santiago, não atenderia.

Talvez, se conseguisse esperar algum tempo, poderia ir até o seu apartamento e lhe pedir desculpas pessoalmente, mas não tinha a certeza de que seria uma boa opção.

Quando o táxi parou próximo à sua casa, Sara avistou Ágata no passeio, ao telefone. Ela parecia preocupada e andava de um lado para o outro. As mãos de Sara começaram a suar e a sua cabeça latejava.

O Filme das Nossas VidasOnde histórias criam vida. Descubra agora