Capítulo XXI

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Naquela manhã ensolarada, Sara levantou-se e foi até o espelho do quarto, acoplado ao guarda-roupa. O médico Amaro havia sido bem claro e direto, e solicitou que fizesse mais alguns exames. Então, pediu que ela tomasse uma decisão, entre prosseguir com a gravidez e morrer, ou interromper a gestação e iniciar imediatamente o tratamento.

Passara as duas últimas semanas no quarto e recebendo a visita e os cuidados de seus amigos, que sempre a questionavam sobre a decisão a respeito da criança. Ela estava farta das perguntas e não havia pensado muito no assunto, porque, antes mesmo de escutar aquelas duras palavras do médico, já havia tomado a sua decisão.

Com as duas mãos, ajeitou o cabelo em uma trança, colocou um vestido listrado e calçou um par de sandálias amarelas. Depois, passou um pouco de maquiagem e borrifou o doce perfume que sua mãe havia lhe comprado, quando ainda morava em Azevinho. Em seguida, caminhou até a cozinha.

— Sara? – Ágata foi ao seu encontro, mal acreditando no que via. — Que bom que saiu daquele quarto! Você parece ótima. Como está se sentindo?

— Estou bem – ela sorriu. — Decidi ir ao médico. Liguei para lá mais cedo e consegui uma consulta. Tenho algumas vantagens por ser estudante.

Ágata desviou o olhar, triste, e afastou-se um pouco.

— Você... tomou uma decisão?

— Sim – a jovem respondeu, pegando um bolinho sobre a mesa. — Vou fazer o que é melhor. A vida é feita de sacrifícios.

Sem que pudesse ter se preparado, Ágata avançou em direção à jovem e lhe deu um forte abraço, como se Sara fosse uma filha que Ágata não visse há anos, enquanto as lágrimas escorriam de sua quase incorruptível armadura. Sara também retribuiu o abraço e ficou durante um bom tempo, até que a mulher a soltasse.

— Eu estou me sentindo tão fraca – Ágata secou as lágrimas. Mesmo com os olhos e nariz avermelhados, a mulher continuava incrivelmente bonita. — Sinto que deveria fazer mais por você, mas estou sem rumo. Estou com medo, Sara. Me perdoe!

— Não se culpe, Ágata – Sara falou baixinho. — Não há o que fazer.

Ágata ficou cabisbaixa durante algum tempo. Ela segurava o terço branco em uma das mãos, discreta. Sara se sentia muito mal pela mulher, pois, desde que descobriu o tumor, Ágata não foi mais ao trabalho e havia desmarcado vários compromissos, inclusive com os seus clientes.

— Posso acompanhá-la?

— Claro que sim, Ágata – Sara sorriu. — Santiago está vindo me buscar. Liguei para ele mais cedo.

No carro, os três ficaram em silêncio durante todo o percurso. Ágata e Santiago pareciam seguir para um funeral. Sara, por outro lado, parecia contente. A mulher havia oferecido à Sara ajuda para que lidasse com a parte judicial, mas ela recusou. Sabia que Ágata era uma mulher religiosa e não queria que se estigmatizasse futuramente com as suas decisões. Dominique aguardava ansiosamente do lado de fora da clínica, ao lado do marido.

— Sara, como está se sentindo? – A amiga perguntou, assim que Sara desceu do carro. — Assim que me ligou, vim correndo para a clínica.

— Estou bem, Dominique – sorriu. — Me sinto muito bem.

Mesmo que tentassem disfarçar, os amigos de Sara trocavam olhares a todo o instante, mas ela decidiu ignorá-los. Estavam preocupados com o seu comportamento e com a sua tranquilidade. Temiam que não estivesse em sã consciência, que aquilo fosse apenas um comportamento do tumor. Com o mesmíssimo sorriso no rosto, caminhou firmemente em direção à clínica. Seu coração estava sereno e ela sabia que tomaria a decisão correta.

O Filme das Nossas VidasOnde histórias criam vida. Descubra agora