Capítulo III

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Sara desceu do avião, torcendo para reconhecer facilmente a mulher que lhe hospedaria nos próximos três anos. Como não gostava de idealizar o futuro, a jovem ocupou-se com os livros de anatomia e fisiologia durante a viagem, focando na parte que mais lhe interessava: a visão. Assim que o pai foi diagnosticado com retinose pigmentar, quando ela tinha apenas oito anos, Sara decidiu que se especializaria em oftalmologia, caso fizesse medicina. Após ingressar na faculdade, algumas semanas depois de ser deixada no dia do casamento, a família lhe preparou uma festa surpresa – a primeira que recebera em toda a vida. Havia bolo, doces, balões e um painel com fotografias, o que fez com que saísse do quase estado mórbido. Mas, o que mais lhe tocou foram as lágrimas do pai, que a observava timidamente próximo à janela, distante das atrações.

— Você conseguiu – era tudo o que ele conseguia dizer, assim que ela aproximou-se dele. — Você conseguiu, filha!

Ela o abraçou como nunca havia feito, sentindo o coração do homem pulsar junto ao seu. O pai de Sara, Isaque, era mais velho que os pais de suas amigas e muitas vezes fora confundido como sendo o seu avô. Quando descobriram a gravidez de Alice, o homem tinha 45 anos e a sua esposa, Lídia, 41. Três meses após o nascimento da primogênita, a mulher engravidou novamente, nascendo Cris. Após sofrer dois abortos espontâneos em quatro anos, Lídia decidiu que não tentaria mais ter filhos. Mas, aos 46, o milagre aconteceu e ela engravidou de Sara. Foi uma gravidez de extremo risco, exigente de que houvesse repouso total e acompanhamento semanal com um obstetra. E Sara nasceu com muita saúde.

A jovem olhou atentamente para as plaquinhas nomeadas que as pessoas seguravam no aeroporto, imaginando que encontraria o seu em alguma delas. Se fosse ela quem recebesse um estudante vindo do outro lado do país, certamente o teria feito.

Ela andou por algum tempo, começando a sentir uma pontada de desespero. Então, começou a suar frio e a pensar que talvez ficaria ali durante muito tempo, esquecida. E não tinha dinheiro o suficiente para pagar por outra passagem.

— Sara? – Uma mulher de beleza exultante apareceu, saindo detrás dos assentos, sorrindo para a jovem.

— Ágata?

— Que bom que te encontrei facilmente, vim contando com a sorte – a mulher a abraçou, rindo. — Olhei para todos os rostos e reconheci pela foto que me mandou no e-mail. O que muda um pouco é que você está com o olhar perdido e o cabelo natural, sem escova.

— Estou muito feliz por você ter me encontrado – Sara confessou aliviada. — E por não escovar mais o cabelo.

Ágata riu.

— Confesso que temi não te encontrar.

— Não passou pela minha cabeça pegar o número do seu telefone ou lhe pedir informações sobre qualquer característica física. Também vim contando com a sorte.

— O que importa é que foi fácil e já estamos juntas – ela sibilou, segurando nos ombros de Sara e afastando-a do barulho de conversas animadas e anúncios de guichês. — Li que você vem de uma cidade um pouco fria. Acho que vai demorar um pouco até que se acostume com o calor, mas, depois, perceberá que Monte Jardim é um lugar muito agradável.

Sara olhou para a mulher, rindo, achando-a admiravelmente simpática e engraçada. À luz do sol, ficava ainda mais bonita.

— É o que eu espero. Até gosto do calor, para ser sincera – secou o suor da testa. — Nunca morei em outro lugar que não fosse Azevinho, então, acredito que vai ser uma experiência incrível.

— Pode apostar que sim. Também gosto de novas experiências, mas confesso que gostaria que elas viessem com manual. A gente costuma ficar confuso com tudo o que é novo.

O Filme das Nossas VidasOnde histórias criam vida. Descubra agora