Capítulo IX

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Depois de passar o dia todo tentando falar com Santiago, Sara desistira de ligar para o homem. Havia apenas se distanciado para despedir das pessoas na festa e, no instante seguinte, ele havia desaparecido, sem nem ao menos avisá-la. Ela não estava com raiva, talvez um pouco preocupada. Não sabia quais eram os seus motivos. Talvez ele tivesse recebido algum telefonema de urgência do trabalho, ou então algum problema familiar.

À noite, após terminar alguns relatórios, caminhou até a sala de estar para assistir a um filme. A luz do escritório estava acesa e haviam alguns rastros de lama que iam desde a escada até o quarto do casal. Ela estranhou. A casa, por mais que não passasse por uma limpeza diária, estava sempre limpa, com o piso de madeira sempre lustroso e as paredes impecavelmente brancas. Em todos os anos de vida, nunca havia visto um casal tão organizado quanto Ágata e Beto. Os móveis estavam sempre alinhados e limpos e os dois sempre cooperavam para manter tudo organizado, sem precisar chamar a atenção para um prato sujo ou para o chão molhado. E, após todo aquele tempo convivendo com eles, Sara havia aprendido boa parte daquela técnica de organização – ou ao menos era isso o que achava.

— Ágata? – Falou em voz alta, batendo levemente à porta. — Está tudo bem?

Ninguém respondeu, mas Sara pôde ouvir os barulhos dos papéis sendo folheados e do porta-canetas sendo revirado. Então, bateu outra vez.

— Ágata, está tudo bem?

— Eu sabia! – Sara a ouviu gritar para si mesma. — Eu sabia!

A jovem afastou-se da porta imediatamente, preocupada e constrangida. Seguiu para a sala e tentou não fazer barulho, pois não queria que a mulher soubesse que estava ali atrás da porta ouvindo os seus gritos. Ágata, porém, a abriu, segurando uma pasta e exibindo-a como se fosse um troféu. Seus olhos cintilavam, maravilhados com algo que Sara ainda não havia compreendido.

— Eu consegui! – Ela saltitou, comemorando. — Finalmente consegui encontrar o que estava procurando!

A felicidade estava nítida em seu rosto, o brilho intenso nos olhos claros e o sorriso largo revelando os dentes intensamente brancos. Havia um tempo em que Sara não a via assim tão contente. Ela sequer sabia se deveria ousar perguntá-la o que estava acontecendo, pois, assim como na medicina, tinha receio de questionar algo que ferisse a confidência cliente-profissional.

— Lembra que eu havia comentado sobre um casal que havia se divorciado e lutavam pela guarda da filha, mas a mãe queria a guarda unilateral? – Sara afirmou com a cabeça, ainda sem entender. — Então, tivemos cinco audiências para que os fatos fossem discutidos e, posteriormente, acordados entre as partes, mas agora ambos insistem na exclusividade da guarda. A questão é que estou defendendo o homem, que está sendo acusado de alienação parental. Entretanto, pelo que já observei, a mãe é relativamente despreparada para assumir uma responsabilidade tão grande e não acredito que o pai tenha condições financeiras para criar sozinho a criança. As testemunhas da mulher apresentaram um discurso tipicamente ensaiado, provavelmente elaborado pela tia da criança, que, ao que tudo indica, é uma pessoa controladora e manipuladora, e vem articulando todo o processo. Então, tentei investigar a fundo o relato dos depoentes em todas as audiências e, assim, consegui descobrir um furo. Todas haviam relatado que o pai fazia uso de substâncias ilícitas na frente da criança. Entretanto, o período relatado corresponde ao período em que estava sob admissão profissional, o qual exigia uma série de exames toxicológicos em intervalos de tempo. Ele não seria admitido se o resultado tivesse sido positivo. E, como o conheço, sei que não faz uso de nada ilícito, mas, obviamente, não é o suficiente para provar para o juiz. Agora tenho o que preciso.

Sara ficou um tempo a encarando, tentando acompanhá-la mentalmente. Ágata falava de forma tão fluida e tão naturalmente, que era impossível não ficar impressionada.

O Filme das Nossas VidasOnde histórias criam vida. Descubra agora