Ela passou novamente em frente ao espelho, esperando encontrar, no reflexo, qualquer coisa que pudesse ser melhorada. Havia escolhido a maquiagem em um catálogo de modas, enquanto esperava para ser atendida no dentista. O penteado foi inspirado em uma atriz irlandesa, a qual nunca gravou o nome, sequer saberia pronunciá-lo. A beca não era muito detalhada ou extravagante, mas incrivelmente bonita, como a de todos os outros formandos.
— Você está começando a me estressar.
— Você também está nervosa – Sara falou para Dominique. — Mais do que no dia do seu casamento, eu diria. Não pode me julgar.
— Mas seu nervosismo está incomodando mais do que o meu – Dominique disse, fazendo careta.
— Tem razão, eu estou muito nervosa – Sara disse.
— Com medo de ser abandonada outra vez? – Alice perguntou. — A vantagem, agora, é que não tem como o seu diploma fugir.
— Não, não é isso – Sara riu. — Acabei de perceber que sou tendenciosamente atraída pelos catálogos de moda que ficam nos dentistas e também por penteados de atrizes irlandesas.
As duas outras riram.
Estavam na casa de Dominique, se arrumando para a formatura. Mal conseguia acreditar que, depois de todo aquele tempo, o dia finalmente havia chegado. Não foi fácil terminar os estudos tendo um filho pequeno, mas também não foi impossível. Sara podia contar com pessoas incríveis e isso a deixava completamente agradecida.
— Está na hora – Alice anunciou, olhando para o relógio. — O carro acabou de chegar.
O enorme auditório da faculdade estava abarrotado de pessoas. Sara e seus amigos da faculdade estavam sentados nos primeiros bancos, aguardando a cerimônia. Ela sentia um frio na barriga, mas estava imensamente feliz.
— Agora, vamos chamar aqui no palco a nossa oradora, Dominique Paiva – anunciaram.
A moça subiu no palco, sendo ovacionada por todo mundo. Ela sorriu, posicionou o microfone e olhou para a frente.
— Estimados formandos, pais, professores e amigos, uma boa noite! Hoje encerramos mais um ciclo e, como ouvi certa vez, os ciclos apenas se fecham quando conseguimos nos sentir satisfeitos. E estamos satisfeitos. Não foi uma trajetória fácil. Como em um filme, partimos primeiramente da ideia. A ideia de sermos profissionais que lutariam pela vida, independentemente da circunstância. O cenário, nós sabíamos, seria um lugar de muita luta, sacrifícios, mas que também poderia nos trazer inúmeros sorrisos. O nosso figurino, branco, muitas vezes seria manchado. Esqueceríamos os diálogos, choraríamos em cena. Haveriam cortes, também, mas sem tempo para as edições. A nossa trilha sonora seria o barulho dos equipamentos, das sirenes e, não tem como fugir disso, do choro. Não seria permitido improvisar, mas, muitas vezes, precisaríamos deixar o roteiro de lado e fazer o que julgamos ser necessário. Durante todo esse tempo, durante todos os dias, foi preciso nos decidir. Nós decidimos continuar. Muitos não conseguiram chegar até aqui. Mas hoje eu sei que mudar o rumo da história pode ser fascinante. É um ato de coragem e amor. E coragem, também, é reconhecer a importância do outro. Reconhecer que não chegamos sozinhos aqui. E amor, também, é enxergar a cada um como sendo um semelhante, não distinguindo pela cor, sexo, crença, nível de escolaridade ou qualquer outra coisa. Amar é respeitar os nossos pacientes e valorizar os outros profissionais. Precisamos compreender que, em algumas vezes, para derrotar o gigante, precisamos reconhecer a nossa pequenez. E hoje, pequenos, vencemos mais uma batalha.
Todos levantaram-se, aplaudindo-a. Sara estava chorando com o discurso, sem se preocupar com a maquiagem. Depois, quando começaram a chamar os formandos ao palco, ela pensou em Lisa. Não a havia conhecido, mas sentia-se grata por ela ter feito parte da sua vida, mesmo que de forma indireta.
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O Filme das Nossas Vidas
SpiritualSara, uma jovem inteligente e obstinada, foi abandonada pelo noivo no dia do casamento e acabou criando uma barreira que a coloca em uma confusão emocional sempre que está diante de um desafio. Do outro lado do país, o economista Santiago, que está...