Capítulo XXIX

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Após ouvir que os médicos permitiriam que ficasse ligada pelos aparelhos por mais uma semana, ao tempo em que seria examinada, Sara ficou contente. Conseguia ouvir tudo o que as pessoas diziam, compreendê-las, mas não conseguia se mexer voluntariamente, nem mesmo abrir os olhos.

Recebia visitas a todo o instante das pessoas que amava e, também, a visita de pessoas que não conhecia. Alguns religiosos passavam todos os dias pela manhã – sabia da informação porque ouvia o enfermeiro abrir as cortinas e sentia o calor do sol sobre seu corpo – e eles faziam orações por ela. Ágata e Beto, além de passarem muito tempo ao seu lado, cuidando como se fosse uma filha, também rezavam por ela. Às vezes, Sara sentia desespero por não conseguir responder, mas conseguia se acalmar depois de ouvir aquelas palavras tão reconfortantes. E o resultado era o mesmo, todos os dias: ela sempre chorava.

Ela também gostava de quando Dominique a visitava. A amiga repassava tudo o que havia aprendido com os estudos e com os novos casos, e até mesmo ria algumas vezes, contando sobre a personalidade de algum paciente maluco ou alguma situação inusitada pela qual havia passado. Sara também ria, mesmo que não conseguisse exteriorizar.

Quando a sua família lhe visitava, era quando mais sentia vontade de levantar para abraçá-la. A mãe, sempre calma e bondosa, passava horas e horas alisando a sua pele, acariciando-a, e pedindo para que resistisse. Às vezes, também levava algum livro e passava a tarde lendo para ela. Alice também a visitava várias vezes por dia. Contava tudo o que acontecia, desde a hora em que acordava até a hora de dormir. Ela estava começando um relacionamento e Sara estava feliz por ela. Cristian, seu irmão, não falava muito quando a visitava. Sara imaginava que ele achasse estranho conversar com alguém que não responderia, o que era engraçado, pois ela sempre o vira conversando sozinho. Mas, todas as vezes em que saía, se despedia dela com um beijo no rosto. O que Sara não entendia, era o porquê do seu pai nunca a visitar. Ela aguardava ansiosamente todos os dias pela visita do homem, mas nunca acontecia.

Ela gostava, ainda, de receber a visita de Santiago e Bianca. O rapaz, como sempre, era doce e gentil, e ela achava adorável a forma como ele a tratava, até mesmo sentado no leito do hospital. Sara o ouvia dizer que Bianca era uma pessoa incrivelmente surpreendente e o quanto gostava dela. No entanto, ele nunca a pediu em namoro. Ao menos, foi o que Santiago confessou na última visita, quando esteve sozinho.

— Isso é estranho, não é, Sara? – Ela ouviu o rapaz dizer. — Já estamos juntos há quase dois meses, mas só agora percebi que não estamos namorando, porque nunca fiz um pedido oficial. Eu me esqueci de como é fazer isso. Estou parecendo um adolescente, eu sei. Mas o que você me aconselharia? Acha que devo ser clichê, romântico, com buquê de flores, caixa de bombom e anel de compromisso, ou devo simplesmente perguntar, tipo... em um cinema, no meio do filme?

Sara se divertia muito com as palavras de Santiago. Ele sempre melhorava o seu humor, independentemente do que dizia. E ele não perdia uma única oportunidade de fazer piada sobre o pedido de noivado de Benício. Se pudesse, Sara responderia para ficar longe dos cinemas. Nenhuma história que ela conhecia que havia começado em um cinema, tinha acabado bem.

— Sabe o que eu acho mais estranho, Sara? – Ele continuou. — Ela nunca me chamou para ir ao apartamento dela, nem mesmo me explicou exatamente o porquê daquela música lírica irritante o dia todo – ele fez uma pausa. — Está bem, apague a parte que eu disse sobre a música ser irritante. Será que algum dos botões desses aparelhos faz eu apagar a sua memória?

Por dentro, Sara riu. Estava feliz por tê-lo por perto.

— Bom – ele tornou a falar. — De qualquer forma, outra dia o chuveiro dela queimou. Ao invés de me chamar para trocar, ela ligou para um eletricista, dá para acreditar? Que tipo de namorada não chama o namorado para trocar o chuveiro queimado? Está certo, eu não sou o namorado dela, porque ainda não a pedi em namoro, e isso pode ter soado um pouco machista, também, então peço desculpas, mas ela é muito misteriosa. Acho que tenho uma tendência a ser atraído por pessoas misteriosas. Você acha que eu não sou uma pessoa apresentável para a família? Acha que eu sou estranho ou pareço ter uma grave doença contagiosa? Eu nunca conheci nenhum parente das minhas namoradas. Não que eu tenha namorado muitas vezes. E, claro, estou contando com a Bianca, mesmo ela ainda não sendo a minha namorada, porque vou dar um jeito de resolver isso. Mas tudo isso é muito estranho. Acha que estou problematizando demais?

O Filme das Nossas VidasOnde histórias criam vida. Descubra agora