Algo incomodava a sua garganta e, quando tentou respirar e engolir a própria saliva, começou a engasgar. Abriu os olhos em uma tentativa desesperadora de se salvar. Estava em lugar muito claro, que girava de forma rápida. Parecia que dormia há dias, mas ainda se sentia cansada, sonolenta. O teto era branco, muito branco, e haviam duas lâmpadas tubulares.— Ei, calminha – alguém aproximou-se dela e tirou o tubo de sua boca, para que pudesse respirar livremente. — Que bom que acordou. Passei a manhã inteira aqui, vigiando você. Venho fazendo isso todas as manhãs.
Sara olhou para os lados, ainda sonolenta. À medida em que a vista ia se acostumando com a claridade, identificava os objetos do quarto em que estava. Havia um aparelho eletrocardiográfico à sua direita, conectado por eletrodos no seu tórax. O monitor de pressão arterial à sua direita e o oxímetro de pulso estava preso ao dedo.
— Estou com sede – ela disse fracamente, muito baixinho. A garganta ainda doía.
— Não pode tomar água, Sara. Sabe disso – a jovem respondeu, sorrindo. Estava de costas, anotando algumas coisas próxima à mesa. — Sinto muito, mas vai ter que esperar um tempinho ainda.
Sara tinha uma vaga lembrança daquela voz. Talvez fosse alguma aluna do programa ou talvez, quem sabe, a conhecesse do estágio obrigatório. Ela não conseguia pensar direito. Sentia muita vontade de dormir, mas não queria, então relutava contra o sono. Haviam dois cobertores sobre a sua perna, mas não sentia frio.
— Que dia é hoje?
— 10 de junho – a médica respondeu.
Sara ficou reflexiva por alguns instantes.
— O que foi, Sara? Pareceu surpresa.
— Não pode ser... Qual a data de hoje?
A moça foi até o armário e pegou um calendário.
— Bom, hoje é 10 de junho, quarta-feira – disse de forma simpática. — Você está aqui há um tempinho...
Sara começou a ficar inquieta. Aquela moça não poderia estar falando a verdade. Não poderia ser 10 de junho.
— Então... hoje completo o oitavo mês da gestação – ela respondeu, ainda com dificuldade. — Não posso estar aqui há quase um mês. Isso é impossível!
A médica aproximou-se de Sara e ficou diante dela, em pé. Era jovem e muito bonita, com pouco mais de vinte anos. Seus cabelos eram compridos e seus olhos muito escuros. Tinha pintas no pescoço, o que fez Sara acreditar que fizesse parte do seu charme.
Sara certamente a conhecia de algum lugar.
— Eles iriam desligar os aparelhos hoje que sustentavam a sua vida, dá para acreditar? – A moça disse, sorrindo. — Mas eu sabia que você acordaria. E ainda bem que você acordou.
Seu coração começou a disparar. O medidor de frequência cardíaca aumentou um pouco, começando a apitar. Aquela médica estava fazendo apenas uma brincadeira. Tinha que ser uma brincadeira.
— Desligar? – Ela tossiu. — Os meus aparelhos?
— Sim. Você não teve muito progresso nas últimas semanas. Nenhum, na verdade, desde a cirurgia. Sua família e amigos vieram diversas vezes te visitar. Ágata e Beto entraram com uma ação judicial para manter os aparelhos ligados, para você ter uma ideia, mas o juiz aprovou até a data de hoje.
— Isso não é possível! Eu ia morrer, assim, desse jeito?
— Bom, ia – respondeu simplesmente. — Mas agora não vai mais.
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O Filme das Nossas Vidas
SpiritualSara, uma jovem inteligente e obstinada, foi abandonada pelo noivo no dia do casamento e acabou criando uma barreira que a coloca em uma confusão emocional sempre que está diante de um desafio. Do outro lado do país, o economista Santiago, que está...