Capítulo Um

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Uriel Castro

*Seis meses após o transplante*

Me viro pela milionésima vez na cama, não encontrando meu sono. Solto um bufo irritado e abro meus olhos, amaldiçoando em pensamento a minha bendita ansiedade. Me coloco sentado na cama e acendo a luz do abajur na mesinha de cabeceira. Pego meu celular e vejo que ainda são duas da manhã. E me dá agonia não poder dormir, sabendo que eu tenho que acordar cedo... Poxa, são horas preciosas de sono perdidas.

Solto um suspiro profundo e resolvo fazer algo para que meu sono volte. Coloco minhas pernas para fora da cama e procuro por meus chinelos, os calçando em seguida. Saio do quarto e olho pelo corredor, vendo que o resto da casa está escura e em silêncio. Ligo a lanterna do celular, pois eu sou medroso e não posso morrer de susto logo agora que tenho um coração novo.

E enquanto sigo até à cozinha, eu vou acendendo todas as luzes da casa, até chegar em meu objetivo. Deixo o celular sobre à mesa e vou até à pia, lavando bem minhas mãos com água e sabão. Pois é, até um gesto simples como procurar algo para comer requer muitos cuidados no meu caso.

Muitos pensam que é só conseguir um coração novo, que vai suprir todas as suas necessidades, mas estão enganados. Eu ainda tenho a vida toda para seguir com a segunda fase do transplantes que é... Sobreviver.

Termino de lavar minhas mãos e as enxugo com toalhas de papel. Sigo até à geladeira e abro a mesma, encontrando vários saquinhos transparentes com frutas e verduras variadas. É... Minha mãe é um pouco paranóica com essa questão. Ela já era terrível na limpeza antes do transplante e depois então... Melhor nem comentar.

Pego um saquinho com maçã e mesmo a fruta já estando higienizada, eu a lavo novamente antes de cortar ela em pequenos cubinhos. Com minha tarefa feita, eu pego meu potinho com maçã e sigo até à sala, ligando a TV em volume baixo. Procuro entre os canais, até achar um que passa um episódio de uma série que comecei a ver há um bom tempo. Passo a me entreter com isso, enquanto como calmamente minha fruta, saboreando seu sabor. Só Deus sabe o quanto eu quis comer uma maçã por meses e não podia.

Fico entretido na TV e quase morro de susto ao sentir meu pai se sentando ao meu lado no sofá.

- Jesus, pai... Quer me matar? - Pergunto, tendo minha mão em meu peito.

- Era só um teste para o coração e você passou com louvor. - Ele brinca e é impossível não rir.

- Engraçadinho você, senhor Castro. - Falo e jogo uma almofada nele.

Meu pai ri e passa a mão pelos cabelos, levando os fios rebeldes para trás. Observo seu rosto por um minuto e me sinto mal ao ver sua aparência cansada pelo trabalho.

- Deveria voltar a dormir, pai... Você trabalhou o final de semana inteiro. - Falo e pego em sua mão, apertando com carinho.

- Não se preocupe, eu só tinha alguns trabalhos acumulados, mas essa semana vou ter uma folga. - Ele sorri e leva minha mão até seus lábios, deixando um beijo. - Na realidade, é o senhorzinho que precisa dormir... Tem aula amanhã, ou hoje, sei lá. - Ele se enrola e isso me faz rir.

- Eu queria mesmo estar dormindo, mas não consigo... Minha ansiedade tirou os efeitos dos meus remédios. - Falo rindo.

- Isso é normal. É a primeira vez que você vai voltar para o colégio depois de anos. - Ele diz e assinto, pois isso que me deixa ainda mais nervoso.

- Será que eu vou me encaixar, pai? Eu não faço ideia do que essas pessoas gostam, parei de ter interação com alguém aos meus onze anos. E agora eu estou indo para o ensino médio... E Jesus, se for igual nos filmes americanos eu estou ferrado. - Falo e ouço sua risada.

Maktub | Livro 01 - Trilogia Destinos [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora