2 - Quebrando a cara

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Ana Meireles

Depois daquele dia, em meu apartamento, ainda tivemos alguns encontros. Não sei que tipo de relacionamento temos, mas Liliane insiste em me dizer que encontros apenas à noite e em meu apartamento, sem assumir publicamente, não se trata de nenhum tipo de relacionamento. Mas o que ela não sabe é que Nicolas não me levou para cama novamente, e de alguma forma me sinto melhor que seja assim. Sexo ainda é um assunto tenso para mim.

Lili e eu passamos no Café Mix, o nosso preferido, ela paga nossas bebidas e o atendente nos entrega dois cafés. Trata-se de um homem aparentemente tímido por trás de seus belos olhos claros, mas é visível que ele nutre algum interesse por minha amiga, mas nunca entendi o motivo de Liliane fingir não notar. Às vezes, ele coloca gotas de chocolate em formato de coração no cappuccino dela, ou tenta puxar algum assunto que minha amiga ignora, mas algumas vezes peguei minha amiga olhando para ele antes de sair.

Já estamos na saída do café, seguindo para a redação. Seguro meu café com uma mão, fazendo um esforço enorme para não me queimar, enquanto com a outra mão estou conferindo minhas mensagens no celular numa ansiedade absurda. Tenho estado assim desde que Nicolas viajou. Sei que isso é idiota, afinal não somos namorados. Mas confesso que ficaria satisfeita se ele me mandasse algo, afinal, desde que foi promovido ao jornalismo de campo, quase não temos mais tempo, nossa comunicação tem sido através de mensagens. Leio a última que ele me enviou, há uma semana, quando embarcou para a Turquia. 

"Provavelmente na segunda estarei de volta, será apenas uma semana."

Neste caso, hoje. Sem perceber,sorrio, assimilando a mensagem.

Ouço a voz de minha amiga tentando de todas as formas acabar com meu bom humor.

— Você está assim tão sorridente, apenas porque Nicolas retorna hoje.

— Mas é claro que não! — falo, a encarando.

— Ana, eu acho um absurdo você não ter uma conta no Instagram.

Bufo, não entendo o porquê da mudança de assunto, mas Lili sempre insiste nisso, diz que eu preciso me atualizar, e que não entende como um ser humano consegue viver sem redes sociais. Não gosto de expor minha vida e, se eu tivesse uma conta no Instagram, seria destas pessoas que postam apenas imagens de belas paisagens, pois não gosto de tirar fotos. 

Uma brisa fria nos invade, meu corpo se arrepia inteiro. Me arrependo por não ter trazido uma blusa mais grossa, apesar de ser uma região fria na maior parte do ano. Segundo a previsão do tempo, o inverno inicia hoje, o que significa que as temperaturas irão cair ainda mais.

De repente, sinto Lili tomar o telefone das minhas mãos.

Ficamos paradas na calçada, há um pequeno movimento de pessoas seguindo para o trabalho e carros na avenida principal. 

— Vamos fazer uma conta para você agora mesmo!

Somente a ideia de ter  um perfil no qual as pessoas vão ficar vasculhando minha vida me deixa nervosa. Então, pego meu celular de volta.

Paradas no meio do centro da cidade, minha amiga me observa absorta e respira rápido como se estivesse irritada. De repente, seus pequenos olhos de traços orientais estão vagando por detrás dos meus ombros. Dou uma olhadinha e vejo que dentro do café o rapaz de cabelos cacheados, o mesmo que nos atendeu, desenvolve um diálogo bastante à vontade com uma mulher incrivelmente sexy vestida de roupas de academia. A cena deixou Lili visivelmente incômoda.

Então, aproveito:

— Por que, ao invés de cuidar da minha vida social e amorosa, você não pede o contato desse rapaz? Ele é louco por você.

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